Mundo de possibilidades

"Faltava pique para dedicar-se a qualquer início de relação. Sabe como é, aquele papo de ter que manter sempre a beleza impecável no início, os ganchos certos para a conversa nunca morrer, brincadeiras infames para tiradas flertantes em momentos de descontração e coisas desse gênero. Não era a atual desilusão que sofrera que a fizera desencantar desse jeito, ou melhor, talvez fosse uma associação de desilusão amorosa com a constante mania de se interessar pelo que obviamente não presta. O resultado catastrófico foi, sem dúvida, a transformação cada vez maior da massa viva que chamamos de coração em algo parecido com concreto ou pedra, gelo também vale. Nunca fora de jogar as esperanças para o ar, mas os constantes vai-e-vens ocasionados, em grande parte, por ela própria, a fizera querer, não a abstinência eterna, e sim um tempo longe da confusão costumeira que fazia dentro do mundo das possibilidades.

Uma vida desregrada fatiga a gente. Até o mais boêmio dos seres deseja, em um último gole de cerveja dentro de um boteco morto, sossego. Faltava a ela, portanto, a aquietação interna. O jeito certo de conhecer a si própria para, posteriormente, pensar em relacionar-se com alguém. Precisaria de mais noites solitárias de chuva, com pães de queijo feitos em casa e seriados na TV para distrair-se da procura insana por alguém que suprisse suas necessidades. Precisaria de muitos outros sábados andando o dia inteiro de camisolão do frajola e calcinha de babado, agilizando a leitura de um dos livros amontoados na cabeceira da cama. Precisaria aprender a conviver com as lembranças doídas de outros tempos e desapegar delas, afinal, sempre existirão
outros domingos de Círio e muitos outros Natais. E precisaria parar de sempre esperar das pessoas o que já se teve, como se fôssemos feitos da mesma fôrma de bolo.

Afinal, viver é assim mesmo. A oscilação de momentos felizes, intercalados por tristezas devastadoras. Ao menos era possível sentir. Como diria Herman Hesse, “Nada pior do que os dias suportáveis e submissos, nos quais nem o sofrimento e nem o prazer se manifestam, em que tudo apenas murmura e parece andar nas pontas dos pés”. Que venham, então, o desfalecer das feridas que latejam em dias de chuva, o contínuo programa de quarta-feira, o aproveitar das madrugadas, as auto-curtições do dia-a-dia e as pequenas felicidades dos progressos. Sem a necessidade de derramar em alguém a responsabilidade sobre nós, mas filtrando ao máximo o que vale a pena manter por perto para fazer da nossa vida um lugar melhor para morar, ainda que sozinha (mas não infeliz)."

Aqui, cabe mais texto ao invés de fotos.
O entendimento deste texto que uma querida amiga me enviou talvez possibilite entender o quanto eu apreciei a companhia na caminhada até o carro num sábado depois da minha primeira saída numa noite de festa, mesmo sabendo que aqui não há perigo em andar sozinha de madrugada, a preocupação em saber se eu cheguei bem em casa, se tive um bom dia, se estou cansada, a gentileza em me ensinar o dialeto da cidade, em se interessar pela minha origem modesta, cultura e minha experiência de vida, o olhar natural, realçado pela fisionomia e traços diferentes dos meus, o passeio de bicicleta ao longo do rio no domingo a tarde, o jeito acanhado de tentar imitar e acompanhar meus passos de dança, o picnic no parque florido com os mais simples - não menos deliciosos - chocolates suíços, deitados numa toalha na grama aproveitando os últimos resquícios de calor do outono europeu, uma conversa espontânea em inglês intercalada com frases que meu humilde conhecimento em alemão me permite. É bom poder estar preparada para conseguir e saber apreciar e sentir o significado de momentos como esses a esta altura da vida.

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