Não estou aqui a passeio

Hoje faz 3 meses que estou aqui.
3 meses é o tempo máximo que turistas brasileiros sem qualquer tipo de visto podem ficar na Europa. Além desses 3 meses, é preciso um visto de trabalho, de estudo ou qualquer coisa que justifique legalmente a longa estadia por aqui. Até ontem, eu podia mostrar o passaporte em qualquer ocasião que tava tudo certo. A partir de hoje, estou por conta do meu cartão de legitimação, atrelado ao meu job.

3 meses.

Quanta novidade, quanta mudança...
Conversando com Carmen hoje, me dei conta. Como ela mesma disse quando completou 3 meses aqui, neste tempo, tenho um novo emprego, uma nova casa, novos móveis, um novo endereço, novos vizinhos, novos colegas de trabalho, novos amigos, novos hábitos do dia-a-dia, uma nova conta bancária, um novo número de telefone, um novo celular, novas roupas, novos idiomas sendo falados ao meu redor, novos costumes, novos canais na minha nova televisão, um novo clima, um novo fuso horário, tudo é novo. Agora eu não vou mais ao trabalho de carro, eu ando. Agora eu não preciso mais de carro com vidros escuros e portas trancadas pra ir ao supermercado e por as sacolas todas de plástico no porta-malas, faço feira várias vezes por mês, sempre que preciso, pois vou a pé, ou de tram, e carrego as sacolas de papel na mão mesmo. Agora eu sei quanto custa um bilhete de ônibus, tenho passe pensal e conheço todos os tipos de passes pras diferentes necessidades de transporte público, seja tram, ônibus, trem, até tarifa de taxi eu sei daqui pra ali. Agora eu conheço todas as estações e maneiras de chegar até meu apartamento por transporte público. Agora eu não moro mais num prédio com porteiro fardado, cerca elétrica, câmeras por todos os lados e condomínio mensal, meu prédio só tem uma simples porta de entrada e caixas de correio com os nomes dos moradores na frente, não existe número de apartamento. Agora eu não saio do banho já suando doida pra pular numa piscina fria, tenho que trabalhar minha cabeça pra entrar no banho e sair psicologicamente preparada pro frio ao meu redor, mesmo ainda sendo outono. Agora meu guarda-roupa tem cachecóis, casacos de diferentes cores e estilos, sapatos fechados, enquanto as sandálias de salto, rasteiras, shorts e blusas de alça estão no fundo sem uso. Agora eu não coloco meu lixo em sacolas de supermercado misturado tudo quanto é tipo de lixo junto e espero o caminhão do lixo passar sei lá quando pra apanhar. Agora eu compro sacos azuis em supermercados selecionados de diferentes tamanhos de acordo com minha necessidade e deixo no local certo fora do prédio toda quarta e domingo a noite. Garrafas de vidro não vão no lixo normal, tenho que acumular e juntar numa sacola e levar até uma estação onde tem vários depósitos de diferentes tipos e cores de vidros pra receber minhas garrafas. Agora eu não preciso mais me afobar nas contas a pagar e contar as moedinhas pra terminar o mês. Tenho um salário decente, justo e compatível com meu cargo, que cobre minhas despesas e às vezes até posso fazer uns mimos e umas viagens. Agora eu saio de casa e vejo alpes com os picos brancos cobertos de neve. Hoje eu posso sair a noite sem medo se vou voltar pra casa inteira, posso andar na rua até de madrugada sem ter medo de ser assaltada. Hoje eu consigo praticar os diferentes idiomas que aprendi e venho aprendendo ao longo do tempo seja no trabalho, na rua, com os novos amigos, em restaurantes, esperando o trem, diariamente. Agora eu não me estresso mais com meu trabalho, porque meu trabalho é só uma parte da minha vida, eu não vivo pra trabalhar. Meu trabalho me faz digna, e não escrava. Meu trabalho me dá condições de ter uma vida saudável, onde posso aprender coisas novas suavemente sem um sentimento mesquinho nem competitivo. Trabalho sem ser pressionada, faço pausas para o chá e o café, converso com pessoas de diferentes nacionalidades, aprendo algo novo toda hora.

A qualidade de vida que eu tanto almejei parece ter finalmente aparecido. Não nego minhas origens e sou orgulhosa de onde vim, mas hoje estou num estado pleno de felicidade que não sei se tenho palavras pra descrever. A realização de um sonho é algo muito especial. Não sei até quando isso vai durar, se tem volta ou se estou realizando meu propósito nesta vida, só sei que tudo que vivi até hoje valeu a pena por ter chegado até aqui, por mim, mediante minhas capacidades e meus esforços, faz o gosto da vitória bastante saboroso, algo que não importa o que aconteça já é meu, minha conquista, meu triunfo, que me acompanhará na minha história, como parte desta fase da minha vida para sempre.

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