A vila

Às vezes tenho a impressão de estar morando numa vila. Um vilarejo bem longe do centro de qualquer cidade grande de qualquer país, não importa qual seja. Uma vila onde a televisão só funciona de vez em quando, as pessoas preferem sentar à mesa e jogar cartas ou se não for inverno, jogar bola no campo. Uma vila onde quase ninguém ouve música, só algumas músicas, não todos aqueles clássicos de rock da década passada que você acha que todos conhecem. Uma vila onde todo mundo é honesto, bom, decente e sincero. A malandragem é desconhecida nessa vila, isso é coisa de cidade grande, que você já sabe, é bem longe. Às vezes pareço que estou numa vila que poderia até ser relativamente perto dos lugares mais impressionantemente ricos de cultura, beleza e diversidade, mas permanece uma vila pois seus habitantes preferem continuar meio que isolados, indo só passear no parque, tomar banho no rio, andar de bicicleta e comer queijo com qualquer coisa. Uma vila onde até há lojas no centro mas todas fecham cedo, pois a noite é sagrada para a família estar junta jantando à mesa. As lojas que não abrem no domingo e fecham ainda mais cedo no sábado pois as pessoas que lá trabalham também precisam da qualidade de vida. Uma vila onde essas mesmas lojas parecem existir por qualquer outro motivo mas não o óbvio que seria fazer dinheiro, pois quem tem razão sempre é o funcionário e não o cliente. Uma vila onde a diferença social e o capitalismo... ...capitalismo? Aqui um gari, um jardineiro ou um advogado são capazes de dispor da mesma casa, móveis, estrutura e costumes familiares. Nesta vila os trabalhadores ordinários de uma empresa são obrigados a fazer pausas durante seu dia de trabalho para tomar chá. Se tiver sol, as pausas são a céu aberto com vista pros alpes. Se fizer chuva, as pausas são com janelões com vista pra janela da sua casa. Uma vila onde você assina o jornal diário e o jornaleiro entrega na sua casa todos os dias, depois você paga. O mesmo para consultas médicas, uma compra a prestação, uma massagem no spa. Uma vila onde se preza pela responsabilidade do indivíduo como cidadão em sempre ter um bilhete válido para sua viagem de ônibus ou trem, mesmo havendo só às vezes controle de bilhetes. Uma vila até bem desenvolvida se formos buscar o sentido literal da palavra 'vila', pois os animais são identificados com chips inseridos em seus pescoços e não há animais perdidos, há sempre uma identificação de sua origem. Uma vila onde os sistemas funcionam, e há sistema pra tudo. Tudo parece funcionar perfeitamente, os sistemas parecem se encaixar um com o outro, tudo parece ser eficaz e ter sido planejado da forma mais inteligente possível.

Eu não sei. Às vezes tenho a impressão que a Suíça é esta vila desassociada do primeiro mundo, inigualável com seus únicos valores, manias e tradições jamais alcançáveis por qualquer outra comunidade. Chegar nessa vila é fácil, ela é afastada das outras cidades, mas estrategicamente central no continente, há diversos meios de transporte até aqui. Difícil é sair.

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