Como sobreviver ao primeiro ano fora do Brasil

Quando se ouve "sobreviver" tem-se a idéia de estar passando por uma coisa ruim e ter que ser forte suficiente para continuar vivendo. Não é o caso aqui. Sobreviver que eu falo aqui é na verdade como passar pelo primeiro ano longe de tudo e de todos que se está acostumada. Não é nada fácil, mas não quer dizer que seja uma fase ruim. É preciso ser forte, aceitar as diferenças e estar preparada para diversas situações que você só vive quando se está longe. Sair correndo e chorar querendo voltar não vale, certo? Então agora que estou completando um ano de vida na Suíça, resolvi fazer uma recapitulação dos fatos e identificar o que realmente me ajudou a sobreviver este ano e como contornei as dificuldades.

- Idioma: todo mundo sabe que alemão é um idiomazinho complicado, ne. Alemão suíço, pra quem não sabe, não é a mesma coisa. Eu estudei alemão um tempo no Brasil mas chegando aqui foi pior do que quando tinha estudado inglês 4 anos e fui fazer intercâmbio nos EUA. Muita calma nessa hora. Por sorte, na Suíça também se fala francês e italiano. E quem sabe isso tudo sabe também um pouquinho de inglês. Então no começo, inglês era meu salvador da pátria. No trabalho, só se fala inglês e francês. Francês ainda estou aprendendo, mas sabendo um pouquinho de alemão, aprendendo francês e tendo o inglês do seu lado e é claro com muita simpatia e boa vontade, você consegue superar as caras feias que botam pra cima de você quando percebem que você não domina o idioma local. Bom humor salva. Há muitos estrangeiros na Suíça e você não é o primeiro nem o único passando por isso. Me matriculei logo num curso de alemão no nível que eu estava e assim fui praticando mais, ganhando mais fluência, além de fazer novas amizades e ter algo a mais pra fazer durante a semana é sempre bom pra se manter ocupada.

- Clima: quando cheguei aqui era verão. Eu estava vindo do Nordeste então pra mim foi perfeito. Continuei usando minhas sandálias de dedo, indo passear na rua de bermuda e blusa de alça, uma beleza. Com o passar do tempo vieram as tempestades assustadoras, chuvas sem fim, trovoadas e raios que parecia que ia derrubar meu prédio abaixo. Tudo bem, isso aí era o de menos. O tempo passou e chegou o outono, o frio aumentando e o inverno finalmente veio me visitar. Um frrrrriiiio de doer os ossos, de não conseguir passar 5 minutos lá fora, de todos os aquecedores ligados no máximo não serem suficiente, de chorar de saudade de ver o sol, de amanhecer um dia cinzento e nevando às 8:30 e 4 horas da tarde já estar escuro de novo, uma melancolia que parecia não ter fim, o inverno foi dureza. Mas sobrevivi. Agora já é verão de novo e tô aqui inteirinha. Muito, muito, mas muito bom humor. E muita roupa. Reservei uma grana pra comprar todo tipo de casaco, pulover até o pescoço, meias, meia-calça grossa nível 1, 2, 3, luvas, cachecóis, botas, nossa, foi frio demais. Eu não sabia que fazia tanto frio assim na Suíça. Também me disseram que esse inverno foi muito mais rigoroso que de anos anteriores. Mas é bom estar preparada antes pra não ser pega de surpresa e deixar o inverno te nocautear.

- Amizades: quando eu cheguei eu dava bom dia pra todo mundo que cruzava comigo na rua e ficava me encarando. Nem sempre as pessoas respondiam. Aqui é todo mundo muito individualista e apesar de educado, não é como no Brasil e ser educado aqui não significa ser simpático e amigável. Mas eu não conhecia absolutamente ninguém, e não tava nem aí. Quem fosse simpático comigo de volta pra mim era lucro. Não fiquei de frescura, não fui cri cri, não julguei ninguém pela aparência e estava pronta pra conhecer gente diferente de mim. E o retorno apareceu. Conheci mexicano, irlandês, polonês, romeno, keninano, francês até dizer chega, italiano, alemão, canadense, holandês, português, japonês e é claro suíço. Uns me aproximei mais que outros. É fato que quando você diz que é brasileira, algumas pessoas são mais receptivas que outras. Outras ainda te julgam na mesma hora, soltam piadinhas e tentam te testar. Bom humor de novo. Nada de ignorância. Continue sendo educado e encare de frente o que aparecer. Prudência e compostura, já diziam meus amigos de Recife. Mais cedo ou mais tarde eles percebem que você não é (se não for mesmo) do tipo que sai na rua pelada no carnaval e tá aqui pra arrumar homem. E com os colegas, que depois viram amigos, terminam te chamando pra fazer alguma coisa, te apresentam novas pessoas, você de outra vez os chama pra fazer qualquer outra coisa e assim os laços vão se estreitando. E como isso é importante.

- Lugar pra morar: já comentei aqui que por diversas vezes pensei ter feito a escolha errada de morar tão perto do trabalho. Foi minha escolha no início, porque não conhecia a cidade e a vizinhança do meu trabalho me pareceu muito agradável. Hoje finalmente consegui concluir que foi a melhor escolha pra mim, pois eu já morava sozinha antes há 6 anos e dividir com alguém que eu não conheço e de outra nacionalidade não me parecia assim tão legal no começo. Além de tudo eu tinha intenção de trazer Juca, meu cachorro, quando a papelada dele ficasse pronta, e precisava de um lugar direito. Pensei em alugar um flat pequeno, mobiliado, prático e tal, mas o que achei eram minúsculos e do mesmo preço que um apartamento grande de 2 quartos, confortável, mas sem móveis. Ora, com um Ikea ao seu alcance me pareceu melhor e possível alugar então um apê normal e mobiliar aos poucos. Hoje ainda falta um bocado de coisa aqui em casa, mas tenho o básico e tô bem assim. Vou comprando mais coisas de acordo com as prioridades. E também não quero entulhos, ne. Então minha dica é saber o propósito. Se vais passar pouco tempo, se queres se fixar, se é algo fácil, prático e temporário, se queres arriscar dividir com alguém, enfim, há várias opções. Minha casinha hoje é meu cantinho e mesmo quando meu quarto tá uma zona me sinto bem aqui. Não sou fã de limpar, cozinhar, arrumar, mas às vezes até que é gostoso, porque é meu canto e quero me sentir bem aqui. Não ia me sentir bem num studio de quarto e sala que visitei uma vez na cidade que não tem espaço pra nada e os móveis lá não são meus. Pra passar uma temporada vale, claro, quando estive na Alemanha por 3 meses fiquei assim, e foi jóia. Mas vim pra cá sem data pra voltar, então tô feliz com a minha escolha.

- Cultura e costumes: esse tópico podia ser um post só, aliás vários posts. Até você entender de fato as manias do povo do lugar onde você tá, leva tempo. Digamos, no mínimo, 1 ano. Porque também os costumes dependem das estações. No verão, os suíços deixam de fazer qualquer coisa pra ir tomar banho no rio geladérrimo ou nas piscinas, como já comentei aqui. No inverno, são os fins de semana nos resorts de esqui nos alpes e tal. E daí, vem as particularidades de cada tradição, de cada atividade. É como se você chegar em Recife em agosto e precisar passar um ano pra chegar na semana santa do ano seguinte pra saber que todo mundo vai pra Gravatá e lá é assim, assim e assado. Suíço como bom europeu é educado demais, frio e individualista. Cansei de ver situações aqui que o suíço coloca a família em segundo plano pra alguma coisa que tenha que fazer por si mesmo. Adoram a natureza, sabem muito de esportes, são ativos e quase todo mundo sabe fazer alguma coisa muito bem (tocar flauta, jogar tênis, andar de snowboard, nadar, etc.). Não adianta, só o tempo vai fazer você ver os fatos e aí você vai poder entender o que todo mundo já te disse mas você não sabia que era assim até você presenciar o tal costume, a tal coisa. Dica: muita paciência. E de novo, nada de julgamentos. Você está no país deles então você que tem que se adaptar, e não eles entenderem você e se ajustarem ao seu jeito.

- Viagens: eu AMO viajar. Que mora na Europa tem o privilégio de ter trens e passagens de avião facilmente acessíveis. Uma viagem pra mim cura qualquer mal estar, qualquer mau humor. Adoro conhecer novos lugares, culturas, gente e costumes. Nem que seja só um fim de semana. É suficiente pra durar pra sempre. Tá mal? Busca uma passagem barata de trem, de avião, tira uns dias de folga e vai conhecer algum lugar próximo. Sozinha ou acompanhada, pra mim, sempre vale a pena.

Muito do que eu disse aqui me ajudou imenso no meu primeiro ano aqui. Sobrevivi bem ao primero ano. Como tenho dito nos últimos posts, estou em fase de transição pro meu segundo ano de Suíça. As mudanças vieram e continuam a vir. Não sei o que está por vir, mas tô pronta pro que vier. Blog continuará registrando meus passos. Tim tim à sobrevivência!

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