Quebrou as regras e sobreviveu

Até onde consegue se lembrar, sempre estiveram lá para determinar o limite do certo ao errado, do que pode e do que é proibido. Até onde consegue se lembrar, eram simples, como ir pra cama às 10 da noite, ou só brincar depois de estudar. Depois foram ficando mais sérias e de mais responsabilidade, como não ficar de recuperação no colégio, manter notas acima da média, sair da casa do namorado antes das 10 da noite. E aí, é claro, naturalmente com o tempo, tornaram-se ainda mais severas, como parar o carro antes da faixa quando aprendeu a dirigir, acordar antes das 7 pra dar tempo de lavar o cabelo e não chegar atrasada no trabalho quando conseguiu seu primeiro emprego.

Regras.
Como poderia viver sem elas?

Não é porque sua vida tinha tomado aquele rumo, simplesmente não se via vivendo sem elas. E com elas aprender a ter disciplina, a se fazer respeitada, a fazer a coisa certa. Tudo muito simples na teoria. Só que no mundo real, não há regras que esclareçam no meio de toda a conturbação, que é crescer e viver neste mundo apressado, o surgimento de vícios, sentimentos incertos e turbulentos que possam por a perder tudo que esforçou-se pra conquistar. Não há regras nem livros nem cursos explicando sexto sentido, experiência de vida ou métodos para detectar um mau pressentimento que sejam realmente efetivos... há?

Pronto. Aí vieram os dias que quebrou as regras para sobreviver, quando ignorou conflitos internos, fechou os olhos e passou por cima de medos e desconfianças e encarou o fato de que a melhor forma de entender era vivendo. No mínimo, um desafio. Se viu rodeada de estranhos e situações estranhas, onde regras não se aplicavam, e descobriu por si como atravessá-las. 


Vestiu camiseta de banda, fez tatuagens, piercings na orelha, no rariz e na língua e foi a shows de rock. No outro dia, se equilibrou em saltos de cores combinando com o cinto, escovou e pintou o cabelo de loiro e comprou bolsas e perfumes caros no shopping. Se jogou no mar, dançou noites inteiras, conversou com estranhos, sorriu pro mundo, deu 10 reais ao malabarista do semáforo, passou 10 horas na internet, olhou as pessoas a seu redor, fez cirurgia plástica, estudou grego, dormiu 19 horas, pagou para ver, se pôs a risco e sentiu na própria pele a dor e o prazer de testá-las, as regras. Admitiu, finalmente, que em algumas situações, não se reconheceu. Em outras, foi tão melhor poder se conhecer mais, e poder se abrir ao que não era igual a ela, e descobrir o que era ela ali, instinto, talvez, afinal o que era igual a ela? Sair um bocadinho das suas regras, aquelas que conhecia, que a formaram, conhecer o lado de fora do seu mundo, da sua zona de conforto, mesmo que pudesse lhe causar dor e a fizesse querer voltar pro seu mundo, pro que conhecia e sempre conheceu até então, como um conforto que lhe transmitisse segurança e não a vulnerabilidade. Há um mundo, há um mundo lá fora e ela não podia viver sem saber o que acontece lá.

Tomou os riscos e arcou com as consequencias. Saiu do curso, do fluxo, não tinha mais volta, estava feito, tinha quebrado as regras. Viu realidades tão cruéis e quis voltar, teve medo e estava só. Não demorou e, felizmente, percebeu que sem isto não teria conseguido. Que essa busca por respostas, pelo desconhecido, pelo que está por trás das regras, do que uns e outros dizem ou pensam, pelo sabor próprio do conhecimento e da experiência de vida era o que a mantinha em pé. Pelo menos estava vivendo, conhecendo, estava quebrando as regras, estava sobrevivendo.

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