Dose diária de lirismo

Se o tempo fosse suficiente pra fazer tudo que gosto, conhecer tudo que quero, ler e aprender tudo que tenho vontade, eu seria uma criatura no mínimo bem versátil. Digo isso porque por várias vezes já disse em alto e bom som que escolhi a profissão errada e devia ter feito turismo ou letras. Mas aí é só ler um pouco que já queria ter feito filosofia ou psicologia. E aí volto a ouvir meus cds de Vivaldi e Mozart e já queria ter feito artes e me dedicado mais às aulas de piano. Nossa, sou tão abrangente e tão ampla. Ora, veja você se também não fica apaixonada por essa história que vou contar.

Era uma vez um poeta alemão chamado Matthias Claudius, do século XVIII, que escreveu vários poemas e textos belíssimos em alemão naquela época. Chegou a escrever um fascinante chamado "Abendlied", que quer dizer canção da tarde. Pra quem não fala alemão pode ser chato, mas eu vou postar mesmo assim porque eu achei lindo.



Abendlied

Matthias Claudius

Der Mond ist aufgegangen,
die goldnen Sternlein prangen
am Himmel hell und klar;
der Wald steht schwarz und schweiget,
und aus den Wiesen steiget
der weiße Nebel wunderbar.

Wie ist die Welt so stille
und in der Dämmrung Hülle
so traulich und so hold
als eine stille Kammer,
wo ihr des Tages Jammer
verschlafen und vergessen sollt.

Seht ihr den Mond dort stehen?
Er ist nur halb zu sehen
und ist doch rund und schön!
So sind wohl manche Sachen,
die wir getrost belachen,
weil unsre Augen sie nicht sehn.

Wir stolze Menschenkinder
sind eitel arme Sünder
und wissen gar nicht viel;
wir spinnen Luftgespinste
und suchen viele Künste
und kommen weiter von dem Ziel.

Gott, laß dein Heil uns schauen,
auf nichts Vergänglichs bauen,
nicht Eitelkeit uns freun,
laß uns einfältig werden
und vor dir hier auf Erden
wie Kinder fromm und fröhlich sein.

Wollst endlich sonder Grämen
aus dieser Welt uns nehmen
durch einen sanften Tod,
und wenn du uns genommen,
laß uns in Himmel kommen,
du, unser Herr und unser Gott!

So legt euch denn, ihr Brüder,
in Gottes Namen nieder!
Kalt ist der Abendhauch.
Verschon uns, Gott, mit Strafen
und laß uns ruhig schlafen
und unsern kranken Nachbar auch!



TRADUÇÃO (tentei chegar mais perto do sentido que entendi):

A lua chegou,
as estrelas douradas resplandecem
no céu brilhante e claro; 
A floresta permanece escura e silenciosa, 
e avançam sob os prados 
a névoa branca maravilhosa.

Como o mundo é tão silencioso

e enclausurada no seu crepúsculo 
tão acolhedora e tão doce 
como uma câmara silenciosa, 
onde a sua miséria do dia
 deve esquecer e adormecer.

Você vê a lua lá em cima? 

Apenas a metade dela é visível
e ainda é redonda e linda! 
Assim é a maioria das coisas, 
Das quais nós rimos confidencialmente, 
porque nossos olhos não podem vê-las.

Estamos orgulhosos dos seres humanos 

são pobres e pecadores em vão 
e não sabemos de muita coisa; 
giramos teias de ar 
e procuramos muitas artes
e vamos além do alvo.

Deus, mostre-nos tua salvação, 

que não há de ser feita de transições, 
Não regozijei-nos da vaidade 
Deixe-nos ser simples 
e diante de Ti aqui na Terra 
como as crianças, 
termos piedade e sermo felizes.

Querer finalmente o fim da aflição 

nos tirar deste mundo 
por uma morte suave, 
e quando Tu nos levar,
 deixe-nos entrar no céu, 
Tu, nosso Senhor e nosso Deus!

Assim permanecemos, irmãos, 

em nome de Deus! 
Fria é a brisa da tarde. 
Perdoai-nos, ó Deus, com punições 
e deixe-nos dormir em paz 
e nosso vizinho doente também!

A história fica ainda mais interessante quando passamos pra outra peça importante de sua obra "Der Tod und das Mädchen", ou "A Morte e a Donzela". Um poema que algum tempo depois foi adaptado a um quarteto por ninguém mais ninguém menos que o músico Franz Schubert, em 1824, quando o compositor estava muito doente. A obra hoje é conhecida como o testamento de sua morte. Me arrepio toda vez que ouço.



A canção foi interpretada com a letra por diversas personalidades.
A letra original em Alemão diz assim:

Das Mädchen:
Vorüber! Ach, vorüber!
Geh, wilder Knochenmann!
Ich bin noch jung! Geh, lieber,
Und rühre mich nicht an.
Und rühre mich nicht an.

Der Tod:
Gib deine Hand, du schön und zart Gebild!
Bin Freund, und komme nicht, zu strafen.
Sei gutes Muts! ich bin nicht wild,
Sollst sanft in meinen Armen schlafen!


TRADUÇÃO:


A Donzela:
É passado! Ah, é passado!
Vá, morte cruel!
Eu ainda sou jovem! Vá, querida,
E não me toque.
E não me toque.

A Morte:
Dê sua mão, tu, criatura justa e terna!
Sou amigo, não venho para castigar.
Fique bem! Eu não sou selvagem,
Dormirás suavemente em meus braços!

Na minha opinião, a música não precisava nem de letra. A melodia é tão clara e tão fantástica que é indiscutivelmente perceptível a mudança de entonação, gravidade e seriedade dos trechos. E a nós, pobres mortais ignorantes no meio de tanto sentimentalismo e riqueza cultural, pra nos encher ainda mais de satisfação, as diferentes interpretações ainda conseguem transmitir mais emoção e a cada versão, uma recapituação e renovação de seus movimentos deliciosamente dramáticos.



Alguém não se arrepia ouvindo isso?

Outra versão:




Aparentemente a turma que se entusiasmou com a parada aí não foi pequena nem fraca. A beleza, o sucesso e a influência foi tanta que a peça chegou aos cinemas com o filme de Roman Polanski "Death and the Maiden" e CDs nem comento.

Linda a história, ne. Final mais que feliz. Aí me diz como é que dá pra continuar imune a esses tesouros da humanidade, ainda mais agora estando tão perto da fonte?

Quem se interessar pelo assunto, recomendo: http://kammermusikkammer.blogspot.com/

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