Um Natal na Suíça

Foi um fim de semana pra lá de corrido. Na semana que passou não nevou nenhum dia, mas na sexta-feira dia 24, véspera de Natal, acordei e estava tudo branquinho branquinho lá fora. Beleza. A vida continua. Fui trabalhar, ou melhor, fui ao trabalho só fechar umas coisas pela manhã. Aliás, porque os trabalhos fazem isso com a pessoa? Trabalhar só de manhã, dia 24 de Dezembro, é sinônimo de baixa produtividade. Quem vai trabalhar na verdade não trabalha nada, ne, fala sério. Bom aí saí meio-dia, terminei de organizar minhas coisas em casa e às duas horas da tarde estava eu e Juca pegando o trem para Airolo, na parte italiana da Suíça.
Só que a cena de eu com uma mochila nas costas, uma sacola e a coleira de Juca nas mãos, toda encasacada, de luvas, cachecol, gorro e touca, nevando e ventando pra caramba com a neve caindo no meu olho, olhe, falar a verdade, foi um aperreio.

Sim, porque tudo cheio. A estação lotada, todo mundo correndo, atrasado, trens cheios, um caos. A viagem de trem duraria 3 horas e eu tinha que trocar de trem em Lucerna. Troquei e peguei um lugar melhor do que o primeiro trem. Porque o primeiro trem, meu amigo, que confusão! Nem parece que estamos na Suíça, que que é isso! Uma barulheira, pessoas com 500 mil sacolas, gente com snowboard e equipamento de ski, uma melequeira no chão de neve misturada com lama, com isso eu já estava me preparando pra um Natal de muita paciência até chegar lá, pelo menos. O trem ia parando em outras estações e mais gente ia entrando e chegou uma hora que simplesmente não tinha mais poltrona vazia. Um grupo de brasileiros que entrou viajou em pé. E nisso pelo menos Juca se aquietou e dormiu embaixo da minha poltrona, porque antes todo mundo que entrava e passava no corredor, olhava pra Juca e ia brincar com ele, engarrafando a passagem, e eu lá com aquela cara de paisagem rezando pra não me perguntarem nada em suíço alemão, porque tipo eu odeio quando alguém me pergunta algo em suíço alemão e eu respondo pedindo pra repetir em alemão. E quando eu tô com Juca SEMPRE vem alguém perguntar como ele se chama, quantos anos ele tem e tal. Mas essas perguntas eu já tô aprendendo a entender em suíço alemão, mas quando passa daí aí complica.

Bom, mas aí depois de 3 longas horas de viagem, cheguei a Airolo debaixo de muuuuita neve! Lá sempre tem mais neve que em Berna. A Simona estava me esperando na estação e fomos de carro para Nante, ainda mais montanha acima, mais frio, e com mais neve! Chegando lá, já fui entrando no clima natalino, porque lá sempre tem alguma coisa no forno com um cheiro irresistível, e tava a árvore armada com um montão de presentes na sala, vó, primos, tia, tio, que apesar de não serem meus e estarem lá falando italiano, era Natal e as portas daquela casa estavam abertas pra mim. Fui muito bem recebida, me senti bem acolhida, e isso é que importa. A milhares de quilômetros de distância da minha família, cheguei a pensar até que ia ficar triste e deslocada lá, mas a verdade é que me diverti pra caramba.

O Natal foi com a família da mãe da Simona numa casa super antiga em Nante, um vilarejo de 30 pessoas, então foi super tradicional. Quando chegamos lá, todos os tios e tias e primos e primas vieram conversar comigo como se eu fosse a celebridade vindo do Brasil. "Ohh, você é do Brasil?", "Está passando o Natal aqui nesse frio!!", todos tinham alguma coisa pra dizer. Os tios da Simona fizeram uma viagem de meses ao Brasil na década de 70, então na sala da casa tinha uma placa escrito "Rio de Janeiro". Quando eu disse que tinha nascido lá, ave maria, só faltaram me por no colo. E como foi bom ver a alegria deles contando da viagem de anos atrás com uma empolgação de como se fosse um marco na vida deles. De alguma forma, aquilo ali me levou um pouquinho mais pra perto das minhas origens naquela data especial.

Porque por mais que você tente ignorar o Natal e toda essa época festiva por mais comercial que seja, você ser o único dali daquele universo sem alguém próximo pra abraçar, dar um sorriso e brindar, não é a coisa mais fácil do mundo. Ainda mais nesse clima frio que tá, quando o povo já é mais frio que o normal. Lá fazia menos 7 graus. Mas foi divertido. Foi muito bacana. As tias da Simona ainda tiveram a gentileza de me dar presentes de Natal, gente, onde já se viu!? Nem me conhecem! Ganhei um canivete suíço e uma vela decorativa liiinda e cheirosa! Muito fofas!

Depois dos aperitivos e abertos os presentes, fomos à ceia! Peru de Natal? Na na ni na não!!! O negócio aqui é comer fondue, gente, já falei! Mas desta vez fomos de fondue chinoise, que é a versão carne do fondue. Então, ao invés de queijo, comemos carne. Ao invés de pão mergulhado no queijo, é carne mergulhada no óleo. O rechaud, isto é, a panelinha, como no fondue de queijo, é cheia de óleo e vamos espetando os espetinhos nos pedaços de carne e mergulhando no óleo, espera-se cozinhar sob o fogo baixinho, e quando pronto, come-se com arroz e molhos, acompanhado de bastante vinho, claro.

Comi tanto. Comi até me acabar. E depois ainda tinha três opções de sobremesa e eu tive que escolher, porque não cabia mais de tanta comida! Fui de mousse. Ah foi tudo uma delícia!

Ficamos lá ainda mais um pouco e depois voltamos à casa dos pais da Simona e era hora de eles abrirem os presentes deles. Eu só tinha comprado um presente pra Simona, e ganhei mais ainda. Ganhei dela e da mãe dela, e depois fiquei lá sentada no chão brincando com os cachorros e assistindo a troca de presentes entre vó, irmão, pai, mãe, a família toda reunida, muito bacana. E depois ainda inventamos de assistir um filme mas tinha sido tanto vinho que pegamos no sono no sofá no meio do filme.

Dia seguinte: mais Natal! Desta vez, com a família do pai. Fomos lá ao almoço de Natal, e fazia tanto frio, mas tanto frio, que eu não saía de perto do fogo. O almoço de Natal era uma sopa de frutos do mar, e como eu apesar de ser do litoral sou alérgica, fiquei na segunda opção que era vitelo com molho de atum. Mas percebi que o almoço, a ceia, a comida em geral não importa muito, o que importa mesmo é o vinho! Houve uma certa baixa no estoque de vinho por lá nesse fim de semana. E a torta de cereja de sobremesa do almoço era com licor de cereja forte como grappa. Forte demais, tive que rejeitar. Na ceia da noite anterior, experimentei licor de alcaçuz e apesar de bem doce, é muito gostoso.

Durante a ceia, o jantar e as conversas, escutei italiano até dizer chega, e sabe que não é nada de outro mundo? Quer dizer, pra quem mora num lugar onde se fala alemão, nada mais é de outro mundo, ne. Mas digo, pra mim que nunca estudei italiano na vida, prestando bem atenção nas palavras, dá pra captar, e falando português devagar dá pra ser entendida também. Foi engraçado porque todos falam italiano, mas um fala também francês, mas não fala inglês, o outro fala só inglês e italiano, o outro só fala alemão e italiano, então nas combinações entre meu italiano meia boca, meu francês arranhado, meu alemão tímido, meu inglês e meu português, consegui me comunicar até que bem, modéstia a parte.

Mas mesmo sendo na parte italiana da Suíça e falando-se italiano como se não houvesse amanhã, ainda estamos na Suíça, então nada de extravagâncias. Uma coisa que eu senti falta é que não tinha música, por exemplo. Costume suíço. Apenas pessoas conversando. E como costume suíço também, nada de ir até altas horas da madrugada. Acabou a comida, acabou a sobremesa, fecha-se ou termina-se a garrafa de vinho ou champagne e basta. Finito.

Voltamos pra casa e com a calmaria da bela vista dos alpes, em apenas um fim de semana, eu coloquei meu sono acumulado em dia. Fazia muuuuito frio. Hoje mesmo fazia menos 10 graus e só pra ir ali fora pra levar os cachorros pra fazer xixi, tinha que se vestir dos pés à cabeça e ainda tremer de frio. E pena que tive que vir embora hoje senão iríamos esquiar (cof cof...). Ontem ventava muito e não tinha condições de fazer nada lá fora. Tinha muuuito gelo na rua e eu quase levei uma queda várias vezes, mesmo com a minha super bota. O carro também dava umas derrapadas.

Ficamos trancados em casa fazendo massa de nhoque, jogando guitar hero, wii, ouvindo e cantando músicas de Natal e mimando os cachorros.

Mas também com um climazinho frio, gostoso, zero barulho lá fora, as comidas mais deliciosas e calóricas da Suíça e uma vista dos alpes como se tem em hotel cinco estrelas, é um privilégio ficar em casa e poder curtir isso.

Saca só a vista da janela...

E assim foi-se um Natal na Suíça.

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