A epopéia

Não sei nem por onde começar minha epopéia que hoje, posso dizer, gradiosa e heróica. Um fato histórico! Mais uma virada na minha vida! Foi tanta coisa que já escrevi aqui sobre o meu trabalho e os stresses que me fizeram procurar outra coisa, que eu tb já tô cansada de vir chorar minhas mágoas aqui. Mas como essa história está tendo um desfecho bonito, vale a pena contar os detalhes.
 
Eu cheguei aqui há 1 ano e 7 meses muito contente, sorridente e pronta pra o que me mandassem fazer. Apesar de ser da área de testes, o que fazem aqui não é bem teste, mas sim tentar usar o sistema postal ​pelo avesso, e tipo, eu não sou dos Correios, cheguei aqui sem saber o que é uma categoria ou uma classe de mail. Eu não sei se não estavam preparados pra minha chegada ou se achavam que eu já soubesse alguma coisa, mas não houve nenhum treinamento, introdução, ninguém sentou do meu lado pra explicar o processo que está implementado nesse sistema, como as coisas funcionam, nada nada. Então por isso e pelo que eu já vi até então, hoje eu acho que é porque o departamento​ precisa de uma séria reestruturação. Não sou a única que está deixando o PTC. Comigo nessa leva, estão saindo mais 4. Todos insatisfeitos com a experiência aqui.
Além de problemas iniciais de gerência geral, do meu gerente em especial e da sua falta de atitude em situações importantes, ​de algumas vezes me certifiquei que o problema era também pessoal, como eu contei aqui em situações como a da janela aberta, do bom dia e da alemã dando em cima do meu ex namorado.​ Coisa de louco.
Passei a me sentir tão retraída e indesejável que passei a questionar meu trabalho, a qualidade das minhas tarefas, e aí se vc não tem um chão forte, vc pode se quebrar todinha. O problema não era o meu trabalho, não era questionar se eu estava fazendo um bom trabalho. O problema era um conjunto de coisas que precisava ser resolvido. Tentei reunir o meu time, pensei e sugeri idéias e novas formas de metodologias de testes que podíamos usar pra tornar o resultado do nosso trabalho mais visível e interessante. No começo até dava certo e eu me enchia de esperança achando que ah, agora vai. Não vai nada, não ia nada, não foi nunca! Poucas semanas depois, só eu continuava a seguir minha sugestão e todo mundo já nem falava mais no assunto, e por mais que eu tentasse manter vivo o espírito de equipe, por vezes fui queimada com grosserias e falta de educação e profissionalismo mesmo dos meus companheiros de time. Um absurdo sem fim. A gerência nessa hora estava ocupada e preferia não se envolver. Péssimo. Fiquei descoberta. Fiquei desiludida, triste, chateada, saía do trabalho e ia pra casa, chorava, me questionava, e o pior, comecei a questionar minhas atitudes e meus planos de ter saído do Brasil e ter vindo pra cá pra passar por isso? Não podia ser.
Meu semblante mudou. Não ia mais pro trabalho contente e esbanjando simpatia nos corredores. Agora eu era séria. Como a maioria do povo que trabalha ali, pra falar a verdade. Fiz amizade com pouca gente no trabalho, mas as que fiz, são as mais alegres e simpáticas de lá. Afinidade, ne. É claro que ninguém é feliz e sorridente o tempo inteiro, mas pessoas alto astral. Tem gente ali que é baixo astral e mau humorado todos os dias! Não sei como é que pode. Mas tudo bem, cada um é cada um. Como não é da minha natureza me entregar à tristeza e a situações que não são ou estão do meu agrado, sempre termino dando um jeito e mais cedo ou mais tarde o jogo vira. A melhor e única coisa que eu poderia fazer pra reverter esse quadro que estava acabando com a minha saúde, era simplesmente mudar de emprego. Tentar outro. De novo.
Conversando com uma das minhas melhores amigas de Recife, ela disse uma coisa que me encheu de energia e forças pra levar a cabo mais esse plano. Ela me disse que, na verdade, são poucas as pessoas que fazem o que a gente faz, que botam a cara pra bater todo santo dia, sai sim sorrindo pra Deus e o mundo nos corredores, na rua, que tenta manter uma boa atmosfera, sem falsidade, gente do bem, que mudam de vida e começam do zero quantas vezes forem necessárias e não têm medo de falar a verdade na cara, de se aventurar por aí e de ser absolutamente transparente, se tiver feliz ou se tiver muito puto. As pessoas aprenderam a tirar proveito das outras, a serem dissimuladas, falsas, oportunistas, e, o pior de tudo, invejosas. Eu (e ela) não me encaixo nisso, meus valores são outros, e sinceramente prefiro que seja assim. Prefiro que as pessoas se afastem de mim porque eu sou certinha, e não porque eu sou uma porra louca. A gente tem que brincar quando tem que brincar, e levar e ser levada a sério quando é pra levar. E caráter de pessoas é uma coisa muito complexa.  Afeta no trabalho, afeta na vida pessoal, afeta em tudo. E quando se mora fora do seu país de origem, numa organização internacional onde tem gente de tudo quanto é nacionalidade e cultura diferente, tentar achar um denominador comum da minha personalidade com a dos caras que trabalhavam comigo, REALMENTE foi uma missão não cumprida. Não foi possível. Eu desisti. Desisti, po. Não tô aqui pra consertar o mundo. Várias pessoas já me disseram que eles têm issues, são esquisitos, então po, vá se tratar, não dá pra ficar relevando tudo e aguentando patada, falta de profissionalismo e tapando o sol com a peneira. Eu vim pra cá pra trabalhar. Quer ser esquisito? Ótimo, mas me deixe fazer meu trabalho. Não deu mesmo. Chega. Depois dessa, estava convencida que ali não era meu lugar.
Lembro que foi num fim de semana muito ensolarado de setembro, veja como faz tempo... eu acordei tarde no sábado, sentei​ na frente do meu computador​ e fui ajeitar meu currículo.​ Lutei comigo mesma em ficar ali sentada procurando a melhor maneira de vender meu peixe e escrevendo ​minha experiência, quando no fundo no fundo, o que eu mais eu queria ​era que tivesse dando certo esse emprego aqui, e eu não queria estar tendo que fazer e passar por tudo isso de novo, porque convenhamos, é um stress da bixiga essa história de procurar emprego.
Lutei comigo mesma e venci. No domingo a noite, meu curriculo tava pronto. Nas semanas seguinte, eu saía do trabalho e quando não tinha curso de alemão nem de francês, ia pra casa​ procurar emprego. Saí em busca de vagas na minha área freneticamente, buscando em tudo quanto é site, mas não queria simplesmente mais um emprego, uma fuga do que eu tava passando e mudar pra qualquer um pra daqui a pouco tá passando por problema parecido. Eu queria e quero ainda um lugar onde eu esteja realizada, onde posso fazer o que sei fazer e sair satisfeita. Claro, não existe o emprego dos sonhos, mas diante da minha realidade, decidi só mandar mesmo meu curriculo se a vaga de fato combinasse comigo.
Eu sabia desde o início que não seria nada fácil. Não era nada fácil encontrar uma vaga que se encaixasse no meu perfil, da qual eu fosse seleciona​da, que aceitassem meu alemão quase bom, que a empresa ainda estivesse disposta a bancar a novela de conseguir um visto pra mim? A-Ha-ha-ha... missão quase impossível, ouvi dizer. Me senti numa encruzilhada, onde não sabia​ se era mais difícil pra mim continuar aqui ou encarar a saga e enfrentar todos os desafios de cabeça erguida e, é, isso mesmo, eu quero tudo isso, um emprego que se encaixe comigo, que aceite meu alemão do jeito que ele é (e como ele pode melhorar) e que banquem esse bendito visto pra mim. Exatamente! Era isso que eu queria.
Antes de tudo, entenda: minha permissão pra trabalhar no meu emprego atual na Suíça é só pra esse emprego. Acabou, acabou, tchau, tenho que voltar pro Brasil. Outro emprego aqui, só se uma empresa estiver disposta a 'patrocinar' um novo visto e entrar num intenso processo com o governo pra isso, e não é toda empresa que se dispõe a fazer isso ou que tenha cacife pra isso.
Mandei meu curriculo para 4 vagas. Recebi retorno das 4. Tudo na Suíça. O primeiro de todos, acreditem, foi esse que deu certo (Deus é pai!). Mandei meu currículo e esperei. O segundo era numa empresa em Basel, ​me chamaram pra ir lá fazer entrevista cara a cara, eu fui, e quando tudo parecia muito bom, muito bem, dias depois, retornaram dizendo que como eu não tinha visto pra trabalhar aqui, eles não iam entrar num processo com o governo porque era muito complicado, então 'boa sorte'. Massa. Fiz outra entrevista pra outra vaga e com a conversa, vi que o trabalho não era exatamente o que eu pensava que era, mas continuei firme no processo mesmo assim. Algumas semanas depois, mandaram email dizendo que a empresa não ia mais contratar ninguém, o processo seletivo estava suspenso. Beleza. O quarto que fiz, era um emprego em Lucerna, mas eu não gostei muito da vaga também não. O cara que fazia entrevista comigo era gago e mal conseguia explicar direito o que eu ia fazer. Sério, como colocam uma pessoa que é gaga pra fazer seleção? Ai ai, sei não... Então me vi somente no processo seletivo da primeira vaga que encontrei e mandei meu cv.
No processo seletivo, marcava entrevistas pro final do expediente, saía do trabalho correndo e graças a Deus moro perto do trabalho, 17h tava eu em casa fazendo entrevista por telefone. Sem brincadeira, foram 5 entrevistas pra essa única vaga! Primeiro fiz entrevista com o RH aquelas só pra saber se vc não é louco. Depois fiz outra entrevista com RH já perguntando mais coisas e qual a minha intenção de faixa salarial, pergunta que eu odeio responder no início do processo, porque se vc fala um valor muito alto, eles podem te descartar logo, e se fala um valor muito baixo, eles acham que vc é ruim e não se valoriza. Loucura, loucura. Passada a 2a entrevista, fui chamada pra fazer então finalmente a entrevista cara a cara em Zurique com 3 gerentes, mais uma prova, e tudo duraria uma tarde inteira. Aproveitei que minha mãe ia chegar no aeroporto de Zurique no final da tarde do mesmo dia, e tirei a tarde livre no trabalho com a desculpa que ia buscá-la no aeroporto, e 1h da tarde estava lá eu bonita e perfumada pra minha entrevista.
Fiz uma prova, respondi perguntas técnicas, fiz entrevista com o cara que vai ser meu chefe, depois teve um intervalo, depois veio o chefe dele me entrevistar (em alemão!!!) e explicar a dinâmica da empresa e no final da tarde depois de um cafezinho quando eu realmente já tava ansiosa pra ir pro aeroporto buscar mamãe, ainda chegou o chefãozão conversar comigo e fez perguntas bem gerais assim, só pra me conhecer melhor e ver se eu me encaixava no espírito da empresa. Terminei, apertei a mão de todo mundo e voei pro aeroporto. Busquei mamãe, fiquei feliz da vida, tirei férias, viajamos eu e mamãe pelo leste europeu, fiquei maravilhada, conheci lugares incríveis, mas voltei pra Suíça e pra realidade, mamãe foi embora e recebi o resultado positivo! Passei na entrevista e prova cara a cara e agora vamos às negociações.
Tudo isso acontecendo e enquanto isso o bicho pegando no meu trabalho atual, mas tudo bem. A vida é assim, com emoção. Stress de um lado, tensão de outro. No meio disso tudo, ainda acabei o namoro com o suíço. 
Eu não sabia sei como funciona questão de imposto, descontos no salário e tal, então não queria acertar um salário abaixo do que eu poderia ganhar. Porque no meu emprego atual não pago imposto, sou meio ilhada da vida na Suíça, não sei como funciona nada, e esse também é um dos motivos pelo qual não é muito interessante trabalhar em organização internacional se vc tem intenção de passar muito tempo num país. Então tá. Então depois de nada mais nada menos 3 semanas de ligações, troca de emails, muitos e muitos esclarecimentos de férias, benefícios, descontos, impostos e etcetera e tal, tive a coragem de dizer que não, que não tinha certeza se valia a pena e tal, e a mulher do RH disse então que conversaria com a chefa dela pra ver o que poderia ser feito. Ora, quem não chora não mama, mas eu não sabia que tinha também tanta energia e valentia pra continuar firme e forte na minha posição. Mais algumas trocas de emails e telefonemas, e o comprometimento deles de que iam assumir o tal do processo do visto pra mim com a Suíça, eu disse SIM! 
Pronto! Sealed the deal! Era minha a vaga!!! Feliz da vida fiquei.
Mandaram pra mim pelo correio o contrato e vários outros papéis pra eu assinar. Assinei tudo, mandei de volta e na última semana de novembro, o governo suíço recebeu então o processo de pedido do meu visto de trabalho que a empresa fez. Tava feito. Não tinha mais volta.
As coisas no meu trabalho atual iam de mal a pior. Desentendimentos, falta de comunicação, interação e paciência pra lidar com tudo que eu já tinha visto que não tinha jeito de melhorar, reli as cláusulas do meu contrato e vi que havia ainda a bendita questão do aviso prévio de 3 meses. A empresa nova queria que eu começasse lá 1o de Fevereiro. Ora, impossível! Eu tinha que cumprir os 3 meses e pra isso, só poderia começar lá 1o de março SE pedisse demissão imediatamente. E assim foi. Eles aceitaram mais uma vez minha condição, mudamos a data de início lá pra 1o de março e eu, sem saber se o visto seria aprovado, sem saber se seria possível assumir esse emprego lindo e maravilhoso que eu tanto queria, tive que juntar todas as minhas forças e finalmente terminar com este capítulo da minha vida e pedir demissão do meu emprego atual.
Meu chefe ficou de boca aberta. A mulher de RH nem conseguia olhar na minha cara. O que??? Sair daqui??? Como??? Por quê??? SIMMMM!!!! Sair........ Era aquilo mesmo que eu estava dizendo. E eles nada mais poderiam fazer. E eu precisava correr o risco de ter o visto negado e ficar sem uma coisa nem outra e ter que arrumar minhas malas e voltar pro meu país. Sufoco total.
Poucos dias depois da minha demissão, quando eu estava começando a dar sinais de fraqueza, que comecei de novo a duvidar das minhas atitudes e me perguntar se eu tava louca de tá me arriscando tanto e perder tudo que construí até aqui, meu diretor me encontrou no corredor e me chamou pra conversar, queria saber porque eu estava saindo. Ah, ele talvez tenha se arrependido de ter puxado o assunto, porque eu falei.... E ele ouviu. Falei tudo, tudinho, dos problemas da gerência a falta de educação dos caras do meu time e ele nem se surpreendeu muito viu. Como um anjo pra me acalmar, me ofereceu a possibilidade de não entregar a carta de demissão e tentar reverter o quadro. Queria uma reorganização imediata do time, redividir tarefas, responsabilidades. Foram 3 semanas que eu 'ganhei' de mais tranquilidade por ainda estar segura de não ter ainda pedido demissão, mas de tensão extrema de reuniões todo santo dia com os caras malas do meu time pra ver se conseguíamos mudar algo que eu já sabia que não tinha jeito.
Quando o prazo se esgotou, e zero notícia de visto, tive que me decidir se pedia demissão ou não, e o prazo dos 3 meses seria acordado como se eu já tivesse pedido demissão quando queria, incialmente pra poder assumir o novo emprego 1o de março. É, não teve jeito, eu tinha que fazer isso. O risco era necessário. Pedi a demissão. Fiquei vivendo nessa corda bamba desde dezembro do ano passado. Passou Natal, Ano Novo, e eu sem saber se teria que voltar pro Brasil, achei melhor me arranjar por aqui nessa época de festividades. Fui pra Irlanda, e a melhor coisa que eu fiz foi ter aproveitado a promoção da easy jet e ter arrumado as viagens pra Berlin e Amsterdam em janeiro, e ter recebido a visita de Antonieta em um fim de semana de janeiro, e assim, me mantive ocupada todos os fins de semana, me cansando bastante, pra não me deixar abater e me preocupar pela longa e temerosa espera do visto.
Ontem FINALMENTE graças a Deus, tive a tão esperada notícia que meu visto foi aprovado, minha gente, que está tudo bem, posso ficar na Suíça, e melhor de tudo, posso assumir meu novo emprego, como planejado, como esperado, e assim mais uma vez, recomeçar! E recomeço. Recomeço quantas vezes forem necessárias! Estou muito, gente, mas muuuuuuito feliz que tenha dado certo isso e que vou poder dar essa virada no jogo. Mais feliz ainda de ver hoje e saber que todo meu stress e minhas atitudes pra reverter o quadro desde setembro do ano passado, (olha, 6 meses dessa novela!!!!) foram bem sucedidas, deram certo, era a coisa certa a se fazer. E que agora é juntar as energias pro novo emprego e a nova jornada em Zurique.
Ave Maria, essa vida é uma loucura mesmo... Uma loucura boa!

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