viel erlebt

Tem um cara que trabalha às vezes perto de mim quando eu trabalho em Berna, que é muito curioso, adora puxar papo com todo mundo e tal. Num dos meus primeiros dias lá, ele tava lá mostrando as 20 mil fotos da mega viagem que ele fez por 3 meses pela Tailândia, Indonésia, Malásia e etc. Viu que eu era nova, se apresentou, trocamos algumas palavras em Alemão e pronto.

Em outros dias que eu trabalhei em Berna que tive que discutir várias vezes sobre coisas relacionadas ao projeto com a responsável que senta na frente dele (que não fala Inglês), que é quando eu esgoto toda minha energia formando as frases em Alemão by the way, ele percebeu que esse idioma não é minha língua materna, e quando eu estava só, começou a fazer uma série de perguntas. De onde eu sou, o que eu tô fazendo aqui, por onde já andei, onde aprendi Alemão, e por que razão eu deixei o imenso e maravilhoso Brasilsão. Ele com dó no coração porque ainda não conhece o Brasil, mas satisfeito por ter passado os 3 meses rodando pela Ásia com a namorada.

Esta semana, ele tava inspirado. Parecia um interrogatório policial. Quantos anos eu tenho, com quem eu moro... E depois explicou a razão de tanto interesse. Ele disse que eu era um tipo de pessoa que ele admirava por já ter "viel erlebt", isto é, experienced a lot, vivido muito, passado por muitas situações na vida, conhecia muito do mundo afora, enquanto ele só tinha morado a vida inteira aqui na Suíça, o máximo que já tinha feito era ter passado 1 mês na Califórnia aprendendo Inglês e agora esses 3 meses mochilando pela Ásia.

Eu fiquei meio sem reação, sem saber o que dizer, porque eu mal conheço o rapaz e ele em pouca conversa comigo, já captou tanto de mim, apenas por saber de alguns lugares onde morei, estar aqui agora falando Inglês, Alemão e Francês, e que agora não tenho medo de nada, posso ir onde quero e tenho o mundo a meus pés. Eu fiquei sem reação porque isso é tão verdade e eu não tinha tido oportunidade de perceber e conversar isso com ninguém por aqui, muito menos com um "estranho".

Mal sabe ele que com as poucas palavras que consegui balbuciar ali, tanto passava na minha cabeça, e depois que saí dali ainda pensei tanto nisso. As escolhas que a gente vai fazendo na vida vão determinando quem a gente é e queria ser quando era menor. Eu tenho tentado fazer as escolhas certas, de acordo com o que me deixa mais satisfeita. Desde que eu moro só, já bastante tempo, as escolhas são cada vez mais sérias, mais difícieis e o risco, o medo, a possibilidade de culpa depois se não der certo é total por sua conta. E isso é aterrorizante.

Ter juntando dinheiro pra ir pra Disney com 15 anos, a morte de papai, ter feito intercâmbio, ter dado aula de Inglês, ter começado a morar em Recife sem conhecer ninguém e ter desbravado aquela cidade por tanto tempo, ter largado tudo pra ir pra Alemanha, ter voltado e continuado a faculdade, estudado a noite e ter estagiado o dia inteiro pra ganhar 500 reais no final do mês, e ainda ir pras 3 horas de Alemão aos sábados lá em Recife, ter aberto mão de feriados prolongados com a galera pra meter o carro e Juca na estrada em direção a Natal pra ver minha família, ter acabado meu noivado por assumir que eu não queria me tornar dona de casa com uma penca de filhos, ter largado o emprego pra ser bolsista e fazer Mestrado, ter vindo pra cá e ter tido a coragem de mudar de emprego num país com regras que eu não conheço, quando o outro emprego ia de mal a pior. Todas esses marcos na minha vida realmente me fizeram ser hoje uma pessoa com 28 anos que já viel erlebt, como o cara falou.

Melhor ainda é que viel erlebt, sem arrependimentos, com orgulho, porque o peso de realizar tudo sozinha, claro com o apoio da minha família e melhores amigas, mas ainda assim, no final é só você, é muito grande. Eu não cheguei onde estou nem consegui nada na minha vida por causa de outra pessoa, porque sou parente de alguém, porque sou casada com alguém, porque vou aonde fulano for, ou porque não sei quem conhece fulaninho, ou porque estou seguindo os passos de alguém. Hoje posso dizer que sou muito realizada por ter alcançado essa independência e essa liberdade, que tanto busquei através das minhas decisões e atitudes. Poder me olhar no espelho e me reconhecer que esta sou eu, que estou aonde queria estar, essa sensação, olha... me faz querer buscar ainda mais!

E pra erleben ainda mais, estou muito incentivada e quase decidida a finalmente concretizar minha viagem a Israel, que tanto sonhei e tanto tuitei a respeito. Acho que perdi vários seguidores de tanto que escrevo sobre isso no Twitter hahahahah. Quase todo dia a noite, por mais tarde que eu chegue do trabalho e dos happy hours de depois, tenho sempre gasto pelo menos uma horinha lendo, pesquisando, pesquisando... Conto mais disso em breve. Por ora, eu tenho que correr hoje e resolver um montão de coisas pra erleben mais semana que vem, que estarei em Londres, a trabalho, e depois fechar com o fim de semana em Madrid, mas aí é a passeio! Eeebaaa!

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