Muro das Lamentações

Alguns mil anos antes de Cristo, algum tipo de civilização habitava de alguma forma alguma região ali onde é hoje Israel.
Entendeu né?! É, isso aí foi só pra dar uma ideia de como é distante no tempo a referência que se tem notícia pra dar introdução ao post. E eu que não sou historiadora nem nada, sei o que leio nesses humildes guias de viagem que me acompanham. Mas então. Essa tal civilização é conhecida como os Cananeus e, de alguma forma, eles sobreviveram no tempo, atravessaram milênios passados, criaram o primeiro alfabeto do mundo, até o fim de sua cultura, bifurcada em dois novos povos: os invasores que vieram do mar em 1200 a.C., os Filisteus; e os Hebreus, mais tarde conhecidos como Judeus.
Há várias teorias de como os Hebreus vieram a ter controle da Palestina, que era o termo usado para denominar a região naquela época. Não há fontes históricas suficientes para provar e verificar tais eventos, mas o Antigo Testamento conta como essas tribos se uniram e eventualmente uma grande comunidade foi criada, cujo rei era Saul.
Seu sucessor foi David, e seu filho Salomão foi o que definiu as leis da nação judaica. Diz na Bíblia que Salomão construiu o Primeiro Templo Judeu, onde os judeus realizavam seus cultos e adoravam Javé, Deus de Israel, Criador do Universo e de todas as formas de vida na terra.
Com a morte de Salomão, muitos conflitos terminaram levando a divisão da nação judaica em duas partes: o Reino de Israel ao norte e o Reino da Judéia ao sul.
Dois séculos depois, os Assírios conquistavam Israel do norte e muitos dos judeus foram expulsos dali. A partir daí, rolaram muitos e muitos conflitos envolvendo outros povos que apareciam, como os Babilônios e os Persas, e a Judéia também foi invadida, e no fim, o Templo de Salomão foi destruído, e os Judeus foram forçados ao exílio.
Durante esse "cativeiro" dos judeus, sua cultura e identidade religiosa ficaram ainda mais forte entre eles próprios, e após a derrota dos Babilônios pelos Persas, sob o comando de Ciro, o Grande, os Judeus finalmente puderam voltar a sua terra.
De volta a Jerusalem no século 6 a.C., os Judeus construíram um novo templo, no mesmo lugar do primeiro, e esse evento é o marco que registra o início do período conhecido como "Segundo Templo".
Depois daí, os Macedônios apareceram e a divisão do império seguiu, gerando mais conflitos e disputas de terras. Jerusalem resistiu. Mas o então rei da Dinastia Selêucida, que existiu após a morte do Rei da Macedônia, Antíoco IV Epifânio rededicou o Segundo Templo dos Judeus a Zeus, na mitologia grega, o soberano rei dos deuses. Antíoco proibiu o culto judaico, o Shabbat, e tudo que tinha a ver com as leis dos Hebreus, afim de criar uma uniformidade cultural entre os súditos do seu reino. É claro que isso não deu certo. Desde de muito tempo essas medidas radicais nunca são a solução. Então os Judeus se rebelaram em 164 a.C., venceram e reconquistam seu Templo.
Os Judeus eram então finalmente um povo independente, mas infelizmente isso não significava paz. Mais conflitos entre os povos da vez, os Hasmoneus contra os Fariseus, e os Romanos logo então apareceram sem perder tempo nem oportunidade de conquistar e dominar mais essa terra distante. Os Romanos não queriam ofender os Judeus, então concederam direitos e comodidades, mas um governo insensível às características da religião judaica terminou gerando descontentamento entre os Judeus mais uma vez. Aí é o período quando Jesus Cristo nasceu, escrito no Novo Testamento. Mas a revolta dos Judeus continuou, e os Romanos terminaram destruindo a cidade e demoliram o tão estimado Templo.

Os Judeus foram proibidos de pisar em Jerusalem, que era então uma cidade romana, e muitos deles partiram para a escravidão em Roma, no Egito e África do Norte, procurando ainda sempre uma brecha em alguma comunidade judaica ainda existente, mediante tantas intervenções. Esse grande espalhamento em massa de Judeus por tantos lugares ficou conhecido como Diáspora.

Apesar de estarem deslocados, as tradições dos Judeus permaneceram muito vivas na Palestina. Duranto o exílio, Jerusalem continuou crescendo sob influência cristã e domínio dos Romanos, e igrejas cristãs foram construídas. A Era Bizantina foi um período de relativa tranquilidade por ali, até a invasão do exército persa, apoiado pelos Judeus, que não conseguiram se sustentar por muito tempo, pois era a vez da força árabe e o Islão serem os governantes da Palestina. Os muçulmanos permitiam a presença de cristãos e judeus em Jerusalem se estes pagassem taxas. Mas a aparente paz não durou e eles logo se desentenderam com qualquer coisa que fosse anti-muçulmana e novos violentos conflitos vieram a acontecer, até atingir o ponto crítico de cristãos serem proibidos de pisar na Terra Santa, o que deu início a uma série de Cruzadas que se espalharam e duraram quase 200 anos até a recaptura da Terra Santa.
O século seguinte presenciou o início do retorno dos Judeus que escapavam de prossecução na Europa, movimento que continuou até o século XX, e a Terra Santa passou por mais conflitos e conflitos mais recentes sob o contexto já da Segunda Guerra e partição de território que já temos mais conhecimento hoje.
Uma grande parede branca foi construída com enormes blocos de pedra por Hérodes, o Grande, para conter a expansão e definir o território do Monte do Templo, onde uma vez esteve o Primeiro e o Segundo Templo Judeu que eu comentei antes. Depois de tantas e tantas destruições, uma parte deste muro foi deixada em pé de propósito pelos Romanos no ano 70, para lembrar aos Judeus que o império romano venceria a Judéia. Os Judeus, por sua vez, encaram o que restou do muro como uma promessa de Deus de que sempre permaneceria de pé pelo menos uma parte do Templo Judeu sagrado que um dia ali esteve de pé.
O local terminou sendo por muito tempo depósito de lixo, até a reabilitação pelo próprio governo do país, após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, que opôs Israel contra uma série de países árabes.
Desde então, este muro voltou a ser relembrado como o único vestígio do antigo templo de Herodes, e passou a ser o local mais sagrado do judaísmo, símbolo de sua aliança perpétua com Deus, pois era a única prova, a única parte restante da área do Primeiro e Segundo Templo Judeu.
Desde o império otomano, no século XIII, os Judeus iam até ali para lamentar a destruição do Segundo Templo, e ali era o mais perto que podiam estar do local onde ele existiu.
Assim, por anos, o muro ficou conhecido como Muro das Lamentações.
O Muro hoje é um local de adoração, de oração. É dividido em áreas para homens e para mulheres, e quem não for judeu só pode se aproximar se tiver vestido apropriadamente, isto é, sem mostrar pernas e ombros.
Eu fiquei muito impressionada quando cheguei perto e vi todas aquelas mulheres tão focadas na sua reza, orando com tanta emoção, algumas chorando, falando em hebreu. O Muro é como se fosse uma grande sinagoga, muitos grupos se juntam ali diariamente para recitar salmos, e no Shabbat, apenas judeus são permitidos ali, e quem não for judeu não pode nem chegar perto, muito menos tirar foto.
Muitos acreditam que o Muro é abençoado por Deus e suas pedras têm poderes milagrosos. Por isso, todo mundo que vai até lá vai com um papelzinho com seu pedido escrito e coloca entre as pedras do muro.
Eu segui a tradição judaica, escrevi meu pedido no post it para proteger minha família e fui lá achar um lugarzinho pro meu papel...
Interessante também é que ninguém vira de costas para o muro. Depois de colocar seu pedido, as pessoas vão voltando, se afastam do muro andando de costas, até bem distante, como forma de respeito e devoção à adoração ao que o Muro representa. Quando já estão bem longe é que viram e andam de frente.
A praça que dá acesso ao Muro das Lamentações é um local público, mas para ter acesso tem que passar por uma entrada controlada por seguranças armados, raio x e checagem de bolsas e sacolas. O guia explicou que é um alvo constante de ameaça terrorista, e na tarde mesmo que estávamos lá, tivemos que ficar quase uma hora esperando pra sair, presos na praça, pois tinha uma ameaça de bomba, então ninguém entra e ninguém sai. Graças a Deus era um alarme falso e a gente saiu tranquilamente.
O Muro das Lamentações é o lugar mais sagrado do Judaísmo, então mesmo não fazendo parte dessa religião, achei muito marcante e intenso aquele momento ali, assistindo a devoção de judeus ortodoxos e pessoas comuns de alguma forma expondo sua fé.
Não é a primeira vez que visito locais que representam essa congregação de fé, mas por tudo que esse local já viveu, que expliquei no início do post, por tudo que representa, depois de tantos dias de sol e chuva que já passaram por aquele muro, depois de tantos conflitos e tanta repressão que os Judeus já viveram, este muro estar ali tão vivo e tão resistente, abstratamente, atraindo tanta gente, é, sem dúvida nenhuma, razão para prestar reverência.

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