preconceito alheio

Olha, eu sou muito ingênua. Tá doendo admitir mas eu sou. Estou aqui aos prantos por algo que nada tem a ver comigo e eu não consigo me segurar.

Escrevi no twitter quando estava indo sábado ao aeroporto buscar a indiana do meu time. É, lembra a indiana do meu trabalho que eu falei, que cuidei de todo o processo, aprovação e burocracia da vinda dela pra cá por 3 semanas? Então, era a primeira vez que ela botava o pé fora da Índia. Imagina. Procedimento da empresa? Se tiver alguém disponível, busca no aeroporto, senão a pessoa se vira sozinha. Eu moro em Berna, que é a 1 hora de trem de Zurique, e o hotel que tava reservado pra ela também é em Berna, então ela teria que vir de Zurique pra Berna. Assim... just like that.

Eu gosto muito do meu supervisor, mas a recomendação dele de "escreve um email explicando como compra bilhete na máquina que ela se vira" eu não aceitei. Po, a pessoa sair da Índia pela primeira vez! Índia! Não é Alemanha, Espanha, Noruega, não, que os sistemas são todos mais ou menos iguais, é Índia! Imagina o choque da pessoa chegar num aeroporto do tamanho do de Zurique sem nunca ter visto nada parecido, com um sotaque de inglês super pesado, enfim. Eu me ofereci pra ir buscá-la no aeroporto. Ela me agradeceu imenso.

No trem, vinha deslumbrada dizendo que a Suíça era linda e parecia o paraíso. Segunda-feira era feriado e eu não tinha absolutamente nada pra fazer o fim de semana inteiro. Chamei ela pra ir dar uma volta na cidade no domingo pra mostrar um pouco da cidade e tal. Tudo bem que aí já entra meu espírito viajante, mas whatever. Dei uma de guia de turismo e achei ótimo. Ela também. Nossa, ela não parava de sorrir. Eu fiz isso porque se fosse comigo, eu gostaria que fizessem o mesmo. E como quase todo mundo do meu trabalho ou mora em Zurique ou na Alemanha, só restava eu mesmo.

Na segunda ela me adicionou no Facebook e as fotos do domingo já estavam lá. Segunda foi feriado e eu expliquei que era aniversário da fundação da Suiça, que ia ter fogos pela cidade e ela muito interessada em ver como seria, terminei sugerindo de ir pro Rosengarten porque de lá se tem uma vista linda da cidade e poderia ver os fogos de vários lugares. Vixe, ela adorou, queria tirar fotos de todos os fogos, achou tudo lindo, tava muito feliz a bichinha. E eu mais ainda de ter proporcionado a felicidade dela. Senão ela teria ficado no quarto do hotel sem nem saber como funciona o tram.

Durante o tempo que passei com ela, conversamos bastante, aprendi várias coisas da cultura indiana e falamos de trabalho. Ela contando que estava super ansiosa pra conhecer algumas pessoas que só conhecia por email, que queria conhecer Zurique, etc etc e tal. Beleza.

Na terça trabalhamos em Berna e foi muito legal. Eu adoro trabalhar em Berna e ela também gostou do ambiente e das pessoas. Hoje, quarta-feira, fomos pra Zurique na hora do almoço pois tínhamos todos uma reunião do projeto às 17:30. Chegando lá, claro, fui levá-la pra conhecer o prédio, apresentar a outras pessoas que ela não conhecia ou não conhecia pessoalmente, e achei meio esquisito quando ninguém deu muita atenção a ela, não perguntou o que ela tava achando da Suíça, ou se tinha feito boa viagem, po, a primeira viagem da pessoa!!! Mas sei la ne, de repente tava todo mundo ocupado, o que é normal. 2 ou 3 pessoas só levantaram pra apertar a mão dela. Todos alemães.

Na reunião, fomos lá pra sala de reunião e teria umas 20 pessoas na sala. A grande maioria alemã. As reuniões normalmente são em Alemão mas como ela tava lá hoje, fizeram em Inglês. No começo, ela super empolgada, se apresentou, e cada um falou o nome e que projeto estava trabalhando no momento. E a reunião continuou. Cada um falou, discutiu e tudo mais, como de costume. E ela lá só ouvindo.

19h fim da reunião, todo mundo agradece, se despede, se levanta e imediatamente mudam o idioma pra Alemão, e eu que entendia tudo, entendi que estavam combinando de ir jantar em algum lugar. E eu a a indiana arrumando nossas coisas pra ir embora e pegar o trem de volta pra Berna. Já do lado de fora no corredor, ela chamou nosso supervisor e ele todo apressado puxando mala dizendo que tava atrasado que ia pegar o trem pra ir pra Munique nem entendeu direito o que ela queria falar com ele. Ninguém veio falar com ela depois da reunião. Ninguém veio perguntar o que ela tinha achado da reunião, dos projetos. Ninguém veio perguntar como tava o trabalho dela e o que ela veio fazer aqui. Ninguém a chamou pra ir jantar. Ninguém ligou e ninguém deu a mínima, cara...................... olha, é porque mesmo sensível desse jeito, eu já passei por muita coisa na vida e às vezes arrumo jogo de cintura não sei aonde pra revirar a situação do momento. Vi que ela tava lá assistindo a movimentação toda isolada e a chamei, perguntei se ela tava afim de ir jantar com o pessoal, se tava cansada. Mas eu vi nos olhos dela que ela estava sentindo a exclusão. A começar pelo idioma, a pobre não tava entendendo nada. E pra algumas coisas nem precisa de palavras.

Eu tive vergonha alheia. Senti um desprezo por aquele monte de alemão idiota falando esse Alemão Clássico horroroso e fazendo piada sem graça. Se tivesse um buraco ali eu me enfiava ou me tele transportava no tempo e no espaço só pra não continuar vendo ali aquela cena. Mas a vida é cruel e a gente tem que viver cada momento. A indiana disse que estava cansada e queria ir pro hotel em Berna. Mas era visível no rosto dela a morgação, a diferença do brilho no olhar dela no início da reunião quando ela de pé se apresentou pra todo mundo com um sorriso no rosto, e ao final da reunião com todo mundo falando Alemão e se lixando pra ela.

Gente!!! As pessoas no Facebook dela fazendo comentários nas fotos que ela postou daqui com comentários tipo "lindas fotos, voce é uma sortuda!".... SORTUDA NAOOOO!!!!! gente!!!!! sortuda?!?!?! Ela tá aqui mas ninguém tá nem aí pra 'sorte' dela, ninguém deu a mínima, e o que mais me dói é que quando é uma visita de alguém da empresa da sede de Londres ou de Stockholm é a maior babação, jantares marcados com muita antecedência que todo mundo tem que ir, e olha, nem importa muito o cargo, só em ser de países desenvolvidos, são bem tratados. Aí ela que veio da Índia recebe tratamento diferenciado, ou melhor, é destratada?!?!?! por que? porque ela é baixinha, tem a pele escura, é mulher, vem da Índia? olha...... eu fico doeeeeeente com esse tipo de coisa. DOENTE!!!!

Lembro que quando eu trabalhava no Brasil e recebemos um indiano pra um treinamento com a gente por algum tempo, procurávamos quase todo dia alguma coisa pra se fazer com ele, alguma coisa pra mostrar... quanta diferença! Quem vai ao Brasil é tão bem recebido... e eu querendo contribuir pra ela ter uma boa experiência aqui.... Tudo bem que nem todo mundo tem a mesma experiência de "mundo" que eu pra saber lidar com pessoas e culturas diferentes, e eu como brasileira e boa hospitaleira que sou também tenho mais créditos, mas pera lá também ne, não precisa ter viajado muito pra ser educado e ter respeito com os outros colegas profissionais, não importa de onde eles venham!!!! Sei que a maioria que tava ali era tudo alemão e eu tenho pra mim que se fossem suíços a situação teria sido diferente. Acho que o suíço teria tido mais respeito e consideração com a presença dela.

Fiquei muito chateada, muito, muito, muito muuuuito mesmo. Mas é algo que está obviamente fora do meu alcance. Eu sofro, eu choro, dói no meu coração, mas não há nada que eu possa fazer. Só posso fazer a minha parte.

Voltei com ela no trem de olho fechado cochilando tentando não pensar nisso, mas no caminho pra casa não aguentei. Desabei aqui em casa de tristeza, de decepção com as pessoas, com o preconceito, e logo isso, esse assunto que eu tinha conversado outro dia com uma amiga aqui, e eu não tinha visto nem vivenciado nada do tipo até então. Ninguém do trabalho nunca me destratou, mas também nunca me tratou com babação. Mas tudo bem, eu já tô aqui há 2 anos e já passei dessa fase. Contanto que me respeitem profissionalmente e como pessoa, eu to contente. E nunca tinha passado por isso. Nunca me senti discriminada, vítima de preconceito, todo mundo sempre me convidou pras coisas, nunca me senti excluída não, apesar claro de me sentir estrangeira, porque eu sou. Mas desrespeitada eu nunca fui. E vi tão de perto o que aconteceu com a indiana depois desses 2 dias que passei com ela, de a ter levado pra conhecer um pouco da cidade, sabe.... olha, fiquei muito sentida, muito triste, muito triste.

A vontade que eu tinha agora era primeiro dar um tapa na cara de quem começou a falar Alemão e deixar a indiana sem entender o que se passava, e depois de pegar um avião e sair daqui agora right now e não fazer mais parte nem contribuir em nada pra um lugar onde eu acabei de presenciar algo que me dá vontade de vomitar. Só de lembrar do momento meus olhos se enchem d'água. Eu precisava desabafar, to acordada até agora porque tava falando no telefone com uma amiga desse absurdo, e amanhã vou trabalhar com a cara toda inchada.

Hoje é um dia muito triste. Espero que eu acorde melhor amanhã e o dia seja bom e essa dor que eu senti sare logo. E que eu fique mais forte e resistente para situações como essa, que infelizmente eu sei que não vão deixar de acontecer... Paz e amor.

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