"Estou insatisfeito com minha vida. Quero sair do Brasil."

Esse título é um dos principais assuntos dos emails que recebo de leitores aqui do blog. Acho tão interessante, primeiro porque a pessoa que me escreve ok pode conhecer já bastante de mim só lendo este blog, mas eu não conheço nada dela, e ela resolve se abrir comigo. Recebo verdadeiras cartas contando diversas histórias de vida e como cada uma delas chegou a um ponto de insatisfação. Insatisfação essa que leva a uma inquietação e daí talvez uma busca na internet atrás de respostas que a fez chegar até meu blog.

O texto aí do lado na coluna da direita no blog, esse abaixo do meu nome, sobre sonhar, é de Walt Disney e é muito inspirador. Reflete bem a minha história, história que é um pouco contada nesse blog, que retrata o resultado da minha inquietação em específico.

Eu também fui muito inquieta, insatisfeita com muita coisa no Brasil que me fez partir, deixar tudo e tentar a vida em outro lugar. Diferente de outras que vão seguindo alguém, eu fui a líder de mim mesma. Enfrentei tabus e preconceitos e no meu caso não tinha outro jeito, eu precisava desse "tempo" fora.

Esse texto aqui é uma reflexão, que talvez ajude a quem está passando por isso a clarear as ideias e ajudar a tomar decisões. Não posso tomar decisão por ninguém mas posso contar a minha história, os meus motivos, a minha realidade e minha opinião, que talvez ajude você aí a tirar alguma pulga atrás da orelha, enxergar algum ponto de vista novo e ter novos inputs.

Ninguém há de ir contra esse fato: o Brasil é um lugar difícil de se viver. Por um lado, tanta coisa bonita, tanta praia, tanta beleza, um país livre de terremotos e furacões e naturalmente privilegiado, com gente de coração aberto, sensível, calorosa e amiga. Por outro, tanta coisa errada, tanta gente malandra, corrupta, talvez vítimas de tanta miséria, falta de oportunidade, desigualdade social, pobreza e más influências. Coisas que você pode nem fazer parte mas que de alguma forma afeta a sua vida. Afeta o seu dia a dia, afeta as suas despesas, a sua rotina, os seus hábitos que talvez você nem perceba direito, a sua honra. E talvez nem saiba que a vida não precisa ser assim.

Comigo foi assim até eu sair do Brasil pelas primeiras vezes. Conhecer os EUA e a Alemanha e ver que eu
podia sim andar na rua tarde da noite sem medo, que podia falar no telefone na rua sem ninguém me assaltar, que podia contar com transporte público de qualidade despreocupada e que ter um carro não precisa significar necessidade ou luxo e sim opção, que em qualquer serviço não é melhor quem é esperto e sim quem realmente trabalha direito, que era possível aumentar muito a minha qualidade de viver todos os dias.

Pequenas coisas que juntando tudo dá uma coisa enorme e incomoda tanto e que você infelizmente no Brasil às vezes precisa se acostumar a aprender a viver com aquilo. Gente, assalto não é normal. Roubos não são normais. Explodir caixas eletrônicos não é normal. Os dados da violência do Brasil são comparados a dados de guerra no oriente médio, e não há nenhuma guerra acontecendo oficialmente no Brasil. Assista ou leia os jornais brasileiros por uma semana apenas e veja como tem desgraça. Será que o governo é tão mole a ponto de não conseguir controlar tanta coisa ruim acontecendo, a polícia é incapaz de dar conta dos casos, ou é será que é caso demais acontecendo mesmo e o Brasil é um caso sem jeito? Por onde começar a consertar o país?

Bom essa aí é uma discussão sem fim ne. De qualquer forma, tem alguma coisa errada acontecendo e esse assunto dá muito pano pra manga. Eu assumo que eu desisti. Desisti de tentar entender, de discutir, de ser "otária" em tentar ser a honesta e ficar numa fila um tempão enquanto gente tá lá na frente furando e me atrasando a vida sem ter porque, em estacionar o carro no lugar certo enquanto tem outro esperto estacionando na vaga de deficiente, em confiar em serviços e promessas que não acontecem e deixar de fazer algo que tenho que fazer pra esperar eletricistas, encanadores, seja-la-o-que-for que prometeu de ir segunda às 8 horas consertar alguma coisa na minha casa e não dar as caras. Cansei, sabe, cansei.

É muita coisa errada e eu simplesmente não consigo ser assim. Em qualquer coisa. Pode me chamar de careta, de boba e parar de ler aqui mesmo, mas eu sempre sempre fui muito correta nas minhas coisas e nunca fiz nada pensando em tirar vantagem de alguém, me aproveitar de alguma situação e ferrar alguém ou alguma coisa, acho que não é por aí que se consegue nada na vida. Eu nunca consegui um emprego na vida arrumado com ninguém, nunca consegui nada assim, pelo contrário, tudo sempre foi resultado de muito esforço. Só que infelizmente no Brasil muuuuuita coisa só funciona assim.

Se você se identifica com tudo que eu falei até aqui, parabéns, você é um candidato a ser um expatriado. Se ao mesmo tempo você tem essa garra de querer mudar o mundo mas é muito apegado a família e amigos e sempre morou no mesmo lugar.... hum, você tem que refletir bastante.

Morar fora não é a solução de todos os problemas de quem tá insatisfeito com o Brasil. Cada caso é um caso. Tem gente que só precisa de férias, tem gente que só quer vir aqui morar 2 anos e voltar, fazer pé de meia, voltar e abrir seu negócio, deixar de ser empregado e pronto, resolve os problemas. Tem gente que quer vir aqui atrás de um amor, tem gente que quer vir explorar as oportunidades e conhecer mais do mundo, encarar qualquer negócio, e tem gente que quer mudar de vida,

Um projeto de vida é difícil ne, planejar, executar, ter os resultados esperados. Ô quem dera se corresse tudo como a gente planeja e reza que seja. A vida da gente se encontra com outras vidas, isso tudo sem falar no destino que às vezes apronta coisas que a gente nem espera. Mas tentando deixar coisas que estão fora do nosso controle de lado senão a gente (eu) não consegue focar num assunto só, a vida fora do Brasil não é a sua vida no Brasil com tudo funcionando.

Não é tudo perfeitamente maravilhoso sempre. Existem coisas na sua vida no Brasil que te fazem bem e feliz e você talvez nem perceba, e só se afastando vai depois de um tempo perceber. Eu por exemplo morava sozinha desde os 19 anos e apesar de sempre ter muitos amigos, sair muito e me manter muito ocupada na vida lá no Brasil, eu morava sozinha. Acordava e dormia sozinha, meu dia a dia era só eu mesma e no final as decisões de vida eram minhas e dependiam só de mim. Eu não estava acostumada a acordar, dar bom dia e ao chegar em casa ter minha casa pronta, limpa, arrumada, janta na mesa, não foi assim não. Então sair do Brasil pra mim e aprender a morar sozinha foi uma etapa que eu completei rapidamente sem grandes problemas.

Claro, no dia a dia você pode contar com amigos e um vizinho falando o mesmo idioma que o seu facilita as coisas, e aqui é diferente. Imagine você como se sairia em situações que precisou contar com alguém, como seria se estivesse longe dessas pessoas. Teria como se virar só? Ficaria feliz em se virar só? Não é nem o fato de conseguir realmente manage everything, mas se você será feliz assim, a longo prazo.

Na vida no exterior, na maioria das vezes você só conta com você mesma, e se tiver alguém pra te ajudar a carregar os moveis novos que comprou no Ikea pra casa, já está na vantagem. Claro gente, se você vier com família ou estiver com amigos, a história é outra, to falando só você. Como foi só comigo. Eu penei um bocado em algumas situações e tive que aprender a depender só de mim mesma. E digo mais, a grande maioria dos europeus é assim.

Sim sim, já tive ajuda de amigos, novos amigos, namorado, colegas de trabalho, fiz festas, fui a festas, dormi na casa de amigas, viajei com gente pra lá e pra cá, o que foi ótimo, não me entenda mal. Mas o relacionamento com as pessoas daqui, não tem como gente, é diferente. Eu nos meus por aqui até agora, pude concluir que são bem menos emotivos que no Brasil. Mais lineares e menos altos e baixos. Aliás um suíço me disse isso uma vez, que brasileiros são cheios de ups and downs, e deu o exemplo da Copa quando tava todo mundo totalmente eufórico na esperança do Brasil ser campeão em casa e daqui a pouco quando levou 7 a 1 da Alemanha ficou todo mundo totalmente depressivo de uma hora pra outra! Disse que suíço não é assim. Suíço tá sempre lá vivendo a vida dele e se acontece alguma coisa boa, ah que bom, que legal, se acontece alguma coisa ruim, ah que chato, mas bem, não é tão ruim. Não tem essa euforia e essa emoção exagerada que a gente tem.

Suíço é bem fechado, raramente fala de seus sentimentos, sensações e é sempre muito difícil quebrar essa barreira. Quando quebra, isto é, quando se tem uma conversa desse tipo, não significa que vai agora conversar sempre. Eles simplesmente não são acostumados e não sentem muita necessidade de falar como se sentem em cada situação. Muitas vezes guardam as emoções pra si e nem sabem como dividir com alguém.

De um lado é até triste essa frieza e o deixam mais individualistas, mas por outro, agir com a razão e com menos emoção faz a pessoa sofrer menos na vida. Nem todos os europeus são assim. Pela minha experiência, aqui são mais frios que em outros lugares. Mas de qualquer forma, as pessoas que se encontram por aqui são bem diferentes que no Brasil. Lógico, existem também brasileiros morando aqui que ajudam você a se sentir menos bicho do mato, como é legal encontrar um brasileiro/a que se torna seu amigo/a longe do Brasil.

Mas morar fora do Brasil não é viver apenas no meio de brasileiros num país qualquer onde tudo funciona. Assim voce pode terminar se isolando e a longo prazo pode dificultar sua integração no país que escolheu viver. Acho que morar fora é se por no limite, aliás não há limites. É acreditar que você pode e ir atrás do seu objetivo, e pensar que o que vier é lucro. Amizades, amor, trabalho. É viver um dia após o outro, estar disposta a aprender, a não se fechar, a ser paciente, a compartilhar o que nossa cultura tem de melhor. É estar disposto a viver em eterno intercâmbio e absorver da melhor forma o que o novo país tem pra lhe oferecer. Não é falar mal do Brasil e idealizar o novo país, nem desmoralizar outros brasileiros porque vivem em situações diferentes da sua. É respeitar o país que lhe aceitou.

Pra mim viver no exterior é o maior trunfo da minha vida. Vivo mergulhada nessa vida de aprendizado e possibilidades, de viagens e conhecimento que eu sou fascinada e que no momento é a melhor coisa pra mim. Foi a melhor escolha que fiz na vida e mesmo o destino tendo indo diferente dos meus planos, fiz questão de me esforçar ao máximo e me reorganizar pra me manter aqui com meu filho e continuar a viver o que eu busquei.

Ás vezes voce não sabe quanto tempo vai passar fora do Brasil. Às vezes é só um curto período, às vezes um período mais longo, às vezes o resto da vida. Saiba distinguir o que quer e o que não quer, ressalte o que lhe faz bem e o que busca. Talvez só uma yoga lhe ajude aí mesmo onde você está. Talvez não, talvez sóu uma passagem de ida mesmo. No fundo, só você vai saber. Reflita. E não se arrependa.

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