Vantagens e desvantagens de ser uma mãe que trabalha na Suíça

Já fazia um tempo que eu queria escrever um post sobre esse assunto. Não é tão simples porque não é "apenas" sobre o meu caso, mas o meu caso abrange muita coisa, as leis da Suíça, os impactos na vida de uma mulher que trabalha, principalmente no meu caso, sendo apenas eu e Edi numa família, e aí já entra minha vida pessoal, enfim. Seria mais um post polêmico no qual eu provavelmente vou criticar o sistema de alguma forma, mas pretendo citar as vantagens também.

Porque nunca é só desvantagem, não é mesmo. Se fosse eu não estaria aqui mais. E ainda estou. Então vamos lá. Bom, sempre sai notícias nos jornais e revistas sobre medidas e propostas para mudar o sistema atual na Suiça, onde uma mulher trabalhar depois que é mãe tem muitas - eu disse MUITAS - desvantagens, e isso é fato, todos concordam. Desde que me tornei mãe, há precisamente 1 ano e 10 meses atrás (ou talvez desde que fiquei grávida) e só parei de trabalhar durante a licença maternidade e férias acumuladas que tirei depois que Edi nasceu, que passei a prestar atenção nessas notícias.

A começar pelos custos de serviços para cuidar da criança durante o dia, enquanto você trabalha. Creche, Tagesmutter, babá, serviços em geral na Suíça são caros e são cobrados por hora, ou por dia. Os preços variam um pouco de cidade a cidade, mas só pra voce ter uma ideia, deixar seu filho ou filha um dia numa creche custa de 120 a 170 francos suíços por dia (leia esse post sobre Creche em Zurique). Agora multiplique isso por 5 e veja quando custa uma semana numa creche = 600 a 850 francos por semana! Por mês 2640 a 3740 francos por mês! É preciso ter um ótimo salário para se dar ao luxo de deixar seu filho numa creche por esse valor.

Existem outros que eu vou falar mais na frente, mas esse é o principal motivo pelo qual as mães deixam de trabalhar por alguns anos, até a criança atingir a idade de ir pro jardim da infância, que é de graça aqui na Suiça. As que têm opção de simplesmente não querer se desdobrar pra dar conta das duas vidas tão diferentes, independente do dinheiro já estão um nível acima dessa discussão toda. Já as desvantagens de ter um buraco no curriculo porque deixou de trabalhar para cuidar da criança em casa é outra discussão, porque pra isso ninguém tem medidas ne, tem que encarar. Bem, muitas vezes o valor a pagar pela creche é quase o valor do salário da mulher, pois aqui na Suiça em comparação com a Europa, é abaixo da média o número de mulheres que ganha salários família, ou seja, o suficiente para sustentar (sozinha) uma família inteira. Isso tem a ver com o cargo e o tipo de trabalho que fazem. É natural. Uma coisa implica na outra, veja bem. Já por saber que o sistema funciona dessa forma, a motivação e o incentivo a fazer cursos mais técnicos ou seguir carreiras que exijam muita dedicação para atingir um nível mais alto de sucesso e remuneração é muito baixo por aqui.

Conciliar carreira e maternidade pode ser uma preocupação da mulher desde cedo, mesmo quando ainda
esteja refletindo qual profissão seguir. Muitas vezes carreiras que possibilitem carga horária reduzida ou uma maior flexibilidade de horários e carga de trabalho são preferidas, exatamente para ajudar lá na frente, quando a maternidade chegar, eventualmente. Daí cai o número de mulheres em cargos altos das empresas, liderando times e se destacando no mercado, pois obviamente o sucesso e o reconhecimento vêm com muita dedicação e muitas horas de trabalho.

Uma criança normalmente é prioridade na vida de uma mulher. É inevitável, não dá pra ser uma full time mum e uma profissional fazendo horas extras ao mesmo tempo. É logisticamente impossível, não há horas suficientes em um dia. A sanidade é outro ponto, mas vou relevar isso nesse texto. Eventualmente vai ser preciso tirar um pouco de um para por no outro e vice-versa. Encontrar esse equilíbrio é a grande questão de um milhão de dólares. Quem não quer conseguir fazer os dois, não é mesmo?

Seja qual for a sua profissão, você dedicou algumas horas e algum esforço para chegar onde chegou. De repente se doar totalmente aos cuidados do seu filho ou filha e deixar de lado tudo o que fez você chegar até onde chegou é uma decisão difícil. Aqui na Suiça, além de todos esses porems que são comuns a todas não importa o lugar onde você more, o fator financeiro pesa muito, muito mesmo. Além do caso das creches e serviços de babá (aliás aqui raramente alguém tem babá) a lei dos impostos é outro porém decisivo pois quando um casal é casado, os impostos são cobrados sobre o rendimento total da família, isto é, a tributação da segunda renda (normalmente a da mulher) é feito à taxa marginal da renda maior (normalmente do homem), então as desvantagens são grandes para a mulher. Daí surgem várias discussões e propostas para que isso mude para liquidação do imposto de renda individual dos cônjuges, mas por enquanto a realidade é essa mesmo.

Então ao invés de a mulher continuar trabalhando para - teoricamente - pagar a creche do filho, ela simplesmente pára e fica em casa tomando conta do filho para economizar e é claro, cuidar do filho de fato, enquanto o homem continua trabalhando para sustentar a casa. E depois pra voltar a trabalhar hein?!

Tudo isso gera consequências estrondosas para a Suíça, como por exemplo, diferenças grotescas entre salários e oportunidade homem x mulher, o que pra mim em pleno ano 2015 é inaceitável, embora no geral a maioria da população suíça está satisfeita com as suas vidas. É fato, a política e as leis na Suíça são meio machistas e retrógradas, ora veja, as mulheres aqui só adquiriram o direito de votar em 1971! 44 anos atrás!

Tem muita coisa mudando ainda mas em geral o incentivo para a continuidade no trabalho depois da maternidade para a mulher é muito muito baixa. Nesse sentido os suíços ainda são muito conservadores. A licença maternidade na Suíça paga é de 16 semanas apenas, e você só recebe 80% do seu salário. Quem trabalha em trabalho pesado tem que parar de trabalhar bem antes do bebe nascer e começar a contar a licença pra ficar em casa esperando chegar a hora, ou seja, se ela não puder se dar ao luxo de ficar meses sem receber salário, terá que voltar a trabalhar com o bebe tendo por volta de 3 meses.

Sério gente. Eu que já vivi isso sei bem como não é legal, onde já se viu, um país desenvolvido como a Suíça fazer as mulheres voltarem a trabalhar com o corpo ainda se recuperando do parto, amamentando... não dá, sabe. Em pensar que em países como Suécia e Noruega a licença é de 1, 2 anos remunerada. Enfim, mas o post não é sobre isso exatamente. O fato é que a Suíça não é um país que incentiva o aumento da taxa de natalidade, muito menos que dá condições de uma mulher ser mãe E trabalhar.
Fonte: Gender Equality and Employment - Polices and Practices in Switzerland and the US.

Por aqui 72% das mulheres da população suíça trabalha, mas não tempo integral. Enquanto 85% dos homens trabalham e trabalham tempo integral (veja mais dados aqui). Resumindo o que eu disse acima: a política suíça não é family-friendly. Não mesmo. Eu mesma trabalho 80%, isto é, 4 dias na semana, 32 horas por semana. Poderia escolher trabalhar menos horas por dia e trabalhar os 5 dias ou tirar um dia livre, escolhi tirar a sexta-feira livre e tenho sempre um fim de semana prolongado, o que me dá a chance de ficar mais tempo com Edi. Acho importantíssimo que ele vá a creche e tenha contato com outras crianças, e acho que trabalhar 4 dias e "descansar" 3 dias é um bom balanço, tanto pra mim quanto pra ele.

O fato de existir essa flexibilidade de não trabalhar tempo integral aqui na Suíça é sensacional. Podia ser pior. Porém não é toda empresa que apoia nem oferece essa flexibilidade, aliás, foi uma das minhas maiores dificuldades quando troquei de emprego no ano passado. Principalmente na área de TI onde o ritmo é tão intenso e o trabalho tão dinâmico, encontrar um emprego que não se trabalhe tempo integral é bem difícil. Sendo você mulher então o buraco é ainda mais embaixo.

A área de TI é dominada por homens e por isso mesmo, algumas - eu disse ALGUMAS - empresas suíças estão tentando implementar regras bem audaciosas para levantar a bandeira de igualdade de gêneros e motivas mulheres a trabalharem/continuar trabalhando na área. Isso eu disse empresas SUÍÇAS, pois empresas estrangeiras dão ainda menos importância a isso. Essa discussão sim é bem difícil de argumentar e polêmica, além de até contraditória. Encontrar uma empresa que de fato toque essa música não é fácil, embora muitas na teoria queiram - eu disse QUEIRAM - mostrar que sim, oferecem oportunidades iguais a homens e mulheres.

Não é, não adianta. Não é igual para homens e mulheres. Eu graças a Deus encontrei uma empresa que eu queria muito trabalhar e que me aceitou, trabalhando meio período e tudo mais, e ela é uma das poucas que tem uma meta social de atingir esse balanço e realmente pratica o que diz. Pra mim por enquanto ta dando tudo certo. Tenho muita sorte de conseguir dar continuidade a minha carreira e ser mãe ao mesmo tempo. O insucesso do meu relacionamento com o pai do meu filho são outros 500, embora me deixe numa situação atualmente onde de fato essas políticas e leis e bla blas são condições influentes nas nossas vidas. Se a situação fosse diferente e eu não conseguisse me sustentar nem tivesse uma boa formação, um bom emprego nem o apoio da empresa que trabalho, eu seria obrigada a aceitar a ajuda do governo, isso se não fosse obrigada a deixar o país, e o Eric teria que se virar pra ser o pai e o homem que ele não é.

Além de tudo isso, parte da prática de incentivo a mulher voltar a trabalhar depois da maternidade é uma empresa não só aceita-la trabalhar menos que o normal, mas participar e ajudar mais na parte social, seja aumentando o Familienzulage, seja dividindo custos da creche com a família, pagando seguro saúde. O Familienzulage é assim: depois que voce tem um filho aqui na Suíça, o pai ou a mãe (o que tiver maior salário), recebe do governo no seu salário através da sua empresa um valor por mês para ajudar nos custos com a criança. O valor depende do cantão mas é uma mixaria, tipo 100 francos. Existe ainda uma regra OPCIONAL das empresas de aumentar esse valor porém saindo do bolso delas. A empresa que eu trabalhava antes não dava nem um centavo a mais que o governo obriga daí voce tira o incentivo. Já a que estou hoje me paga 200 francos a mais.

Além disso, como falei no post sobre creches em Zurique, existe a possibilidade de pedir subsídio ao governo para pagar o valor da creche, dependendo do seu salario e dependendo da creche que seu filho está, pois nem toda creche oferece vagas com essa opção. Algumas empresas aqui na Suíça têm parcerias com algumas creches ou têm a sua própria creche e os funcionários que têm filhos lá pagam um valor bem abaixo do mercado ou um desconto dependendo do seu salário. Isso sem dúvida é fantástico. Ajuda muuuuito na vida e é uma vantagem sem igual. Por outro lado infelizmente ainda são poucas empresas que praticam essa prática.

Na prática do dia a dia, todas essas vantagens de participação nos custos da creche e trabalhar meio período são muito boas, mas existe também uma consequência de tudo que está por trás das políticas que ninguém vê mas que está lá. Há pouquíssimas mulheres trabalhando, na área de TI principalmente, que são mães então nem se fala. Quem é da área sabe que tem que aprender a conviver com isso desde cedo, eu mesma quando me formei em 2005 fui a única mulher formanda da minha turma de 22 caras. Mas no trabalho, não é a mesma coisa um grupo de pessoas trabalhando se todos forem homens e se só tiver uma mulher no meio. Todos olham pra você diferente e se perguntam (ou te perguntam) mesmo porque você não seguiu a regra de deixar de trabalhar e cuidar do seu filho em casa que só tem 2 anos, claro, em outras palavras.... Tipo: que que voce ta fazendo aqui?!?!

Por um lado podem te respeitar ainda mais, principalmente se você fizer um bom trabalho e mostrar serviço tipo "não to aqui pra brincar", ou pelo contrário, podem não te levar a sério porque "lugar de mulher (mãe) é em casa com o filho". Vai depender da mentalidade dos seus colegas de trabalho e da sua sorte de encontrar gente legal no trabalho. Mas você só vai saber se tentar. Eu tenho pra mim que geralmente quando a pessoa tem mais cabeça aberta, é viajada e já teve contato mais profundo com outras culturas ou já morou em algum outro país onde as regras são diferentes, que seja mais fácil menos difícil de "convence-los" que voce é uma boa profissional e que de fato não tá ali pra brincadeira. Porque sim, não importa a situação, você SEMPRE vai que ter que convence-los dos seus atributos, das suas qualificações, etc. Sendo mulher e mãe, e estrangeira E principalmente brasileira então...

É difícil encontrar mulheres que são mães e que trabalhem tempo integral aqui na Suíça. Como eu disse antes acho isso ótimo da flexibilidade, dá qualidade de vida e chances para encontrar o equilíbrio e tudo mais, eu mesma estou me beneficiando disso, mas sejamos honestos: isto impede que você avance no trabalho, em comparação com alguém que trabalha 100%. Cargos mais elevados e tomadores de decisão dificilmente trabalham meio expediente e se houver a chance de optar entre alguém que trabalhe 100% e alguém que trabalhe 80 ou 60%, sendo as demais qualificações semelhantes, sem dúvida o que trabalha 100% vai ganhar.

Ambição profissional, salários altos, reconhecimento, dedicação e/ou equilíbrio vida pessoal/social e trabalho, qualidade de vida, ritmo saudável. Tudo vai depender dos seus objetivos, das suas prioridades, da sua família, do seu tipo de carreira e trabalho, e da empresa que você escolheu pra trabalhar. Acredito que em todo lugar, qualquer país, há vantagens e desvantagens, não existe o emprego perfeito e nem ficar em casa só cuidando do filho ou filha é a resolução de todos os problemas.

No meu caso por um lado fico muito satisfeita de sim poder dar continuidade a minha carreira, pois foi ela que me trouxe até aqui. Claro que eu trabalho porque eu preciso também, mas acho que também não conseguiria não trabalhar... e ainda conseguir a opção de ficar um dia a mais na semana com meu filho, que apareceu de repente na minha vida, ou seja, não foi uma coisa que eu tive tempo de planejar como gostaria que fosse e etc etc. O fato de eu conseguir reorganizar minha vida toda de maneira que conseguisse conciliar as duas coisas pra mim é no momento a minha maior vitória. Por outro lado, adoro ficar em casa cuidando de Edi e da casa mesmo, tipo, é a maior canseira, totalmente diferente do que eu sou no trabalho, fazendo mil coisas ao mesmo tempo, dando conta dele, da comida dele, da roupa dele, da casa inteira, das contas, das necessidades, e ainda de Juca, é uma correria só. Prefiro dizer que é a minha fitness kkkk. Tipo modestia a parte me sinto uma heroína e esse gostinho dá forças para ambos os lados, ambas as vidas, em casa e no trabalho.

Encontrar o que melhor se encaixa e o que ofereça as melhores condições para atingir o seu equilíbrio e objetivo desejado, aproveitar o que as leis do país te oferece e tirar proveito da situação que cada um se encontra é o xis da questão. Espero eu continuar vivendo e aprendendo mais dessa vida louca que é ser mãe e trabalhar fora ao mesmo tempo, ainda mais aqui na Suíça, pra voltar pra contar mais por aqui depois.

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