Criando um filho bilingue: primeiras palavras

Tem muita informação na internet sobre criar filhos bilíngues. Longe de mim pretender aqui apresentar alguma ciência, até porque não é e nem eu tenho fórmula nenhuma. Mas a partir de hoje estou criando a tag no blog "filho bilingue" para compartilhar e registrar as experiências com Edi aqui na Suíça on the go, agora que ele está começando a falar.

Edi está prestes a completar 2 anos. Eu sempre falei Português com ele, mas como na maior parte do tempo estamos só nós dois em casa, tem sido então Português em casa comigo, e Alemão na creche. Como ele vai pra creche 4 dias por semana escuta bastante Alemão (e Suíço-Alemão) dos cuidadores e dos coleguinhas.

A situação atual é: Edi fala mais Alemão que Português. É. Não tem pra onde correr. Eu sou só uma e a creche e a rua são muito mais input do que eu aparentemente. Ele não fala frases completas ainda, mas palavras soltas. Porém entende frases completas. As palavras que ele fala não são muitas mas a maior parte delas é em Alemão. Hoje em dia ele fala (em ordem de aparição):

- Mami = sou eu. Não fala "mamãe" nem a pau.
- Água = é água mesmo. Publiquei outro dia um vídeo no Instagram (@elaeamericana_liana segue aí!) dele falando água em várias tonalidades hehehe.
- Úg = é "Zug", que é trem em Alemão. Não pode ver um trem ou um tram que já fica todo feliz e fica "uhg uhg uhg" apontando pro trem. Acho que as tantas viagens Suíça afora contribuíram pra isso rs.
- uóuó = é "vovó", minha mãe. De tanto que nos falamos por Skype, do outro lado do oceano minha mãe participa mais da nossa vida do que gente que tá aqui do lado, então Edi sabe quem ela é.
- Papá = não é papai, é "papato" de "sapato" em Português! De papai ele fala "papi" mas não muito.
- Pé = pé mesmo.
- Mái = é "mais" em Português, quando ele está comendo e a comida acaba e ele quer mais.
- Auto = essa ele fala bem deutlich, é "carro" em Alemão. Se refere tanto aos carrinhos que brinca quanto aos carros que vê na rua.
- Aiô = é "hallo" em Alemão, "olá" em Português.
- Adê = é "tchau" em Suíço Alemão.
- Báu = é "Ball" em Alemão, "bola" em Português.
- Käss = Käse em Alemão, é "queijo" em Português.

Essas são as principais. Então veja aí, tirando mami que é meio que universal, de 11 palavras, as palavras que ele sabe em Português de vocabulário mesmo são só 3 ou 4 porque vovó é praticamente nome próprio. Em poucos dias observando, é bem perceptível que o vocabulário dele em Alemão está crescendo mais rápido que o Português. Toda semana na creche tem palavras novas, enquanto eu to aqui na luta pra ele sair de sapato e pé que ele já fala há muitos meses.

Edi entende frases em Português, quando eu falo por exemplo "pegue a bola, Edi", e vai e busca a bola mas assim que agarra a bola ele diz "Ball!!!". Já na creche quando ele quer água e não pede "Wasser" que é água em Alemão, ele diz "Água". Eu sei que com o tempo ele vai entender que existem duas palavras para qualquer coisa e ele vai perceber que em casa eu falo uma coisa e na rua ele escuta outra. Até lá, muita paciência e dedicação porque também não é nem será fácil pra ele passar por esse aprendizado.

Apesar de ter baixado uns livros no Kindle sobre o assunto (tempo pra ler são outros 500 ne) e já ter buscado vez ou outra na net, não to usando nenhuma técnica especial nem nada. To indo ad hoc. Até porque as regras são sempre "pai e mãe em casa" que divide-se em se pai e mãe falam idiomas diferentes ou não, e na rua outro idioma. E como eu não me aplico à regra, fica difícil ter saco pra acompanhar os exemplos e dicas de exercícios e tudo mais.

Estou seguindo simplesmente meu coração e falando o meu idioma com ele, porque mesmo eu sendo só uma pessoa, eu sou a mãe e tenho conviccão que minha participação será forte e terá peso grande no crescimento e aprendizado dele. Mas olha não é fácil, viu. Tem dias que dá um certo desânimo e falta de crença no futuro porque eu sei que Edi crescendo aqui, ele nunca vai ter o Português que eu tenho. Não vai aprender as gírias da sua geração nem vai entender certas piadas, nem por mais que eu coloque as músicas da minha infância pra tocar em casa, não terá o mesmo significado do que se crescesse no Brasil, claro.

Aí vem todos aqueles questionamentos de novo de "o que eu to fazendo aqui" e tudo mais, porém agora as reflexões não abrangem só a mim mas Edi também e seu futuro. Por um lado, dói um pouco saber que ele não será brasileiro de fato e não terá algumas coisas tão óbvias na sua infância como Turma da Mônica, coxinha, brigadeiro, por mais que eu traga gibis da Turma da Mônica do Brasil ou mostre desenhos no Youtube ou que faça ou compre coxinhas e brigadeiros por aqui. Não é a mesma coisa. Por outro lado, ele tem a oportunidade de crescer sem medo de andar na rua e brincar aqui no jardim sem precisar estar num condomínio fechado com cerca elétrica e segurança ou porteiro. 

A bagagem e diversidade cultural que ele pode adquirir aqui é enorme e não dá pra ignorar que isso num futuro a longo prazo vai fazer muita diferença. Estou criando meu filho em outra cultura mas ao mesmo tempo quero que ele absorva coisas e emoções da minha cultura. Não é uma tarefa fácil.

Outro dia estava conversando sobre o assunto com uma colega do trabalho que nasceu aqui, o pai é suíço mas a mãe é coreana. Ela disse que a mãe dela no começo até tentou manter o coreano com ela, mas eventualmente foi passando as conversas pro Alemão para ela aprender mais o idioma daqui. Resultado: depois de uns 10 anos e com a chegada da adolescência dela, a mãe ainda não tinha o Alemão fluente mas ela sim, então sempre tinha conflitos e desentendimentos por conta do idioma, pois ela não sabia mais falar coreano e nem a mãe direito Alemão, então não tinha um idioma 100% comum e fluente entre mãe e filha. Obviamente isso distanciou a relação das duas e ela mesma disse que preferia que sua mãe tivesse continuado a falar coreano com ela. Só assim ela não teria se distanciado da mãe por dificuldade na comunicação, e teria ficado mais próxima da cultura da mãe. Hoje ele mal fala coreano, só entende algumas palavras e há anos não vai a Coréia do Sul.
Ora eu moro aqui mas não pretendo me afundar tanto na cultura suíça. Nem sei se vou ficar aqui tanto tempo assim, e seja como for, quero ir com Edi ao Brasil pelo menos uma vez ao ano. Não só pra ele manter vivo o seu lado brasileiro e aprender com ele, como para também não virar suíço de vez pois algumas coisas aqui são muito extremistas.

Agora que ele está começando de fato a falar palavras nos dois idiomas, está caindo a ficha que a brincadeira aqui é séria. Meu filho será bilíngue, eu estou criando um filho bilíngue para o mundo e o que realmente isso significa vai muito mas muito além de falar (apenas) dois idiomas. Como se já fosse pouco. Em pensar que se estivermos aqui ainda quando ele for pra escola, ainda vem o Francês e o Inglês... Ai meu Deus, isso é só o começo.

Por um lado, sim, eu também aprenderei com ele o Suíço Alemão. Até poucos dias não sabia que "hebe" (não sei se escreve assim)... é "halten" no Alemão aqui de Berna, aprendi com Edi. Mas preciso ter força e muita paciência e crença no meu papel aqui. Você ouve tanta coisa de todos os lados que ás vezes dá um nó na cabeça. Gente dizendo que não, é melhor eu falar Alemão, que não, é melhor insistir no Português, que nossa... pare o mundo que eu quero descer. É muita responsabilidade.

Da maioria dos artigos que li por aí, é sempre recomendado mesmo que morando você num país estrangeiro, que fale no seu idioma com seu filho, para ele não perde-lo. Aí me lembro de uma situação que vi quando morava em Zurique, um casal de indianos com um filho de quase 4 anos. O pai trabalhava e a mãe não. A mãe sempre ficava em casa com o filho e falava no seu dialeto com ele. Às vezes o levava pra brincar na pracinha mas a maior parte do tempo o menino cresceu em casa com a mãe. Resultado: chegou aos 4 anos falando o dialeto indiano lá deles perfeitamente, e como mal falava Alemão, estava com dificuldade de entrar no jardim da infância sem falar o idioma. 

Não tem como. Morar num país diferente do seu e criar um filho, tem que abrir mão e dar espaço pra cultura do lugar que você escolheu. É ali que seu filho passa seu dia a dia e é natural que aprenda o idioma do lugar. De qualquer forma, lá no fundo dá um orgulho danado de ter a oportunidade de estar vivendo isso e de proporcionar esse carrossel de culturas pro meu pequeno. Vamos ver depois no que que vai dar.

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