Auschwitz e Birkenau

Tentei mais de uma vez parar pra escrever este post e todas as vezes não consegui ir muito longe. Escrevi, apaguei... me dá um certo embrulho estômago ao desenrolar do texto. Ora eu não sou escritora profissional nem muito conhecedora da história, mas tenho emoções. Meu blog relata minhas viagens e eu escrevo o que aprendo com elas........... Vou tentar mais uma vez.
Faltam palavras para adjetivar suficiente o regime de governo alemão que era realidade há pouco mais de 70 anos atrás. Porque não era só uma forma de governar. As teses racistas e anti-semitas de Hitler expostas no seu livro "Mein Kampf" e que foram adotadas posteriormente pelo Partido Nazista, quando se tornou chanceler da Alemanha e depois ditador, não são grotescas o suficiente comparadas à realidade do que aconteceu naquela época na Europa.
Segundo as ideias de Hitler, grupos minoritários como eslavos, ciganos, judeus, homossexuais, deficientes e mentais e poloneses era considerados indesejados. Sendo assim passaram a ser perseguidos. E isso ficou conhecido como o Holocausto, que aliás eu já comentei aqui no blog quando escrevi sobre Berlim e o monumento do Holocausto que tem lá. Pois bem. É estimado que 11 milhões de pessoas tenham morrido nessa perseguição, durante o governo de Hitler. Morreram das formas mais repugnantes, estúpidas, chocantes e bizarras da história da humanidade.
Campos de concentração foram construídos durante o Nazismo para confinar, vigiar, maltratar e usar prisioneiros. É pior do que uma cadeia comum que confina prisioneiros com uma razão, por ter infrigido uma lei ou sei lá. Prisioneiros de campos de concentração foram para lá e lá ficaram por pertencerem ao grupo dos indesejados, que mencionei acima. Na prática, durante o confinamento nos campos de concentração, os prisioneiros eram explorados, torturados e viviam em regime de escravidão. Por isso ficaram mais conhecidos como campos de extermínio porque era esse mesmo objetivo de quem ia parar lá: no final ser eliminado, exterminado. 
Auschwitz foi o nome dado à rede de campos de concentração no sul da Polônia e operados pelo Terceiro Reich, ou governo nazista. Fica a 50km da Cracóvia, e antes costumava ser um alojamento militar com vários blocos. Birkenau era o campo de extermínio menor próximo a Auschwitz. O tour incluía os dois campos, em Auschwitz é onde está o museu. Foi uma das coisas mais chocantes que já vi na vida. Era pra lá que iam judeus em massa, especialmente poloneses, é o maior símbolo do Holocausto. Hoje Auschwitz é um museu. Aliás desde o fim da guerra, em 1947, e contém elementos da vida dentro do complexo, naquele período, dando uma ideia do horror que se foi vivido ali.
Inicialmente quando comprei as passagens para a Polônia, já estava na minha cabeça que eu não iria conhecer Auschwitz, porque estaria com Edi. Mas o tempo passou, eu esqueci da viagem e só fui programa-la aos 45 do segundo tempo. E ainda assim eu não tinha intenção de ir até lá. Até fechar os detalhes práticos, reservar hotel, começar a receber ofertas de tours, dar ouvidos à Adriana leitora do blog que encontramos lá, e ver que não tinha muito mais o que se fazer na Cracóvia em 3 dias. Então assim, convencida de que Edi é muito pequeno e não ia fazer ideia de onde estávamos, mas mesmo com muito receio que ele sentiria a energia negativa e o peso do tour, resolvi ir pra não me arrepender depois, afinal quando é que eu vou a Polônia de novo, certo?
O tour era o dia inteiro Auschwitz e Birkenau, o campo de concentração grande e o menor, logo perto, a 50km do sul da Cracóvia. A empresa que fomos foi a See Krakow e é a que opera quase todos os tours por lá. Eles foram nos buscar de van na porta do hotel e custou 145 Zloty, ou uns 35 Euros. Era eu, Edi, Adriana a leitora do blog que nos acompanhou na viagem que já falei aqui, e mais um grupo de umas 10 pessoas com uma guia falando Inglês. Um dia que eu nunca vou esquecer. O dia não estava dos melhores, a previsão era de chuva e chovia no início do tour. Eu e Edi de guarda-chuva e capa de chuva, sem carrinho porque lá não tem como fazer o tour de carrinho, andando no lamacero... tinha tudo pra ser uma péssima experiência e eu comecei a achar tudo muito sombrio e bateu um certo arrependimento repentino de ter ido fazer o tour com Edi. Mas logo passou, a sensação de arrependimento e a chuva. 
Logo na entrada, depois de pegar nossos fones de ouvido pra escutar a guia que falava no microfone baixinho pra não atrapalhar os outros tours e efetivar nosso ingresso, o portão com o desprezível lema "Arbeit macht frei" (O trabalho liberta) (a 1a foto desse post lá em cima) dá um certo enrolar no estômago e uma sensação de incerteza, era tarde demais, não dava mais pra desistir e voltar atrás a partir daquele ponto. Talvez a mesma sensação que os prisioneiros pudessem ter tido um dia quando passaram através daquele portão. Hoje eu sei que essa frase é infame porque é ilusória, é um lema que te manda trabalhar para ser livre, quando foi justamente o contrário que aconteceu. Pensar na quantidade de gente que passou por ali com a falsa esperança de que estavam tendo alguma alternativa na vida para fugir da guerra que desencadeava na Europa, quando na verdade eles eram já os destinados a morrer, descartados como objetos desprezíveis.
É inevitável travar um pouco durante a caminhada por Auschwitz. Passar por aqueles corredores com as fotos dos que um dia entraram ali, com nome, sobrenome, idade, profissão... Não dá pra sorrir nas fotos, não dá pra não se emocionar. Por mais que você saiba que é ou que seria difícil um tour desses, você tem interesse de saber, de ver, de descobrir, de entender como foi, como tudo aconteceu. As reações e emoções de ver e ouvir o que aconteceu ali são normais a qualquer ser humano. O que me faz pensar que os mais de 7 mil nazistas que trabalhavam ali na administração do campo, os alemães e soldados que de fato executavam os judeus e poloneses que ali estavam, realmente não tinham sentimento. Não que eu seja passional demais, mas como é possível uma ideologia tão grotesca como essa tirar a sensibilidade da mente humana, que crenças são essas que influenciam e destorcem até a fisiologia do ser humano? Somos todos seres humanos, como é possível há tão pouco tempo atrás um pensamento tão regressivo e desumano tomar conta de uma sociedade? De onde vem tanta capacidade de ódio e repulsa por outras pessoas como você?
Todas essas perguntas e indignação só aumentam com o passar do tour. Visitamos alguns prédios onde funcionaram diversos setores do campo. A guia explicava tudo em detalhes, para dar mesmo a sensação real do que foi vivido ali. Os prisioneiros acordavam cedo, vestiam uniformes que não eram suficientes para se protegerem do frio, aliás não havia aquecimento nos alojamentos e muitos morriam de frio a cada noite. Os sobreviventes eram obrigados a segurar os cadáveres pela manhã durante a contagem pelos soldados. Para o trabalho, usavam sapatos sem meias, muitas vezes de número menor que os seus, para aumentar o desconforto ao longo do dia, enquanto a orquestra feminina de prisioneiras era obrigada a tocar músicas alegres, aumentando ainda mais a tortura que era o trabalho no campo.
Os prisioneiros trabalhavam 12 horas por dia no verão, e um pouco menos no inverno. Não haviam pausas. Dependendo dos acontecimentos do dia, haviam punições individuais ou coletivas, independente das condições climáticas. Dormiam em beliches enfileirados com a mesma roupa que trabalharam e sapatos, para que evitar que fossem roubados. 
Ao chegar no campo, os prisioneiros eram selecionados se estavam aptos a trabalhar ou não. Velhos, crianças, homens fracos e doentes ou mulheres tinham poucas chances. Só de escrever isso me emociono... porque quando a guia da gente falou exatamente essa frase "...mulheres com crianças..." ela olhou pra mim e lá estava eu com Edi no colo... há alguns anos atrás aquela cena "uma mulher com uma criança" no colo não ia durar muito tempo. Eu chorei, a guia chorou, todo mundo do nosso grupo chorou. Mas eu chorei não foi pouco não.... 
Os que estavam inaptos a trabalhar eram considerados inúteis e eram levados diretamente a outro setor onde estavam as câmaras de gás. Enquanto achavam que precisavam se despir para tomar banho e esperavam a água ser aberta nos "chuveiros" para um grande banho coletivo, dos "chuveiros" saíam gás e dali não sobrava ninguém. O massacre não parava aí. Médicos que muitas vezes eram os próprios prisioneiros com habilidades médicas que eram selecionados para trabalhar, faziam experimentos médicos e usavam outros prisioneiros como cobaias para testar teses miseráveis, sem dar o mínimo valor ao risco que a vida corria. Mulheres recebiam injeções de remédios experimentais com o intuito de colar o útero e evitar a reprodução. Coisas assim asquerosas, até difíceis de ouvir e falar e escrever...
No museu que virou Auschwitz hoje é possível ver as malas dos prisioneiros que chegavam ali sem saber do futuro. As malas com os nomes, escreveram os nomes para poderem identifica-las depois... não houve depois. As malas foram levadas não sei pra onde... mais de 100 mil pares de sapatos, mais de 6 mil kilos de cabelos....! Sabe... coisas assim desumanas mesmo, imundo, desprezível... não tenho mais como descrever...
Em 1945 os Nazistas começaram a evacuar os campos de concentração, milhares de prisioneiros foram obrigados a andar até outros campos, outra parte foi levada de trem, muitos morreram no meio do caminho. De fome, de cansaço, de exaustão... Muitos nazistas... aliás, comparado a quantidade que fez essas atrocidades não são muitos.... Alguns nazistas, quero dizer, foram processados, julgados e condenados a morte no Julgamento de Nuremberg, levando em conta os líderes políticos, médicos e pessoas importantes que cometeram tais "crimes". Hoje são crimes, e antes era o que? Não entendo..... Poucos sobreviventes que fugiram de Auschwitz contaram mais tarde quando o mundo voltou um pouco mais à normalidade, um pouco do terror que foi viver naquele pesadelo e ganharam prêmios como Elie Wiesel, Simone Veil
Foi sem dúvida o "passeio" mais difícil que já fiz na vida, mas que hoje vejo que era inevitável, eu tinha que ir, tinha que ver de perto. Temos que conhecer a história e entende-la. Se tive a oportunidade de ver de perto, sou uma privilegiada. Mesmo com Edi. Melhor agora. Depois ele decide se ele quer ir de novo, entendendo. A Adriana leitora do blog que foi com a gente também se emocionou muito, a família dela tem raízes polonesas, o que deve ser ainda mais impactante pensar que alguém lá longe nas suas raízes tenha tido algum tipo de envolvimento com essa barbaridade da humanidade.
Eu vesti até uma camiseta colorida pra ver se tirava um pouco do peso do clima do "passeio", mas não deu. É até estranho eu dizer que gostei do passeio, porque primeiro não é um passeio, por isso coloco entre aspas. Ninguém sai dali relaxado, contente, sorrindo, feliz. Mas é como eu disse, o ser humano tem a necessidade de conhecer sua história. Não é a toa que o memorial de Auschwitz recebeu mais de 1 milhão de visitantes só até agora em 2015, sendo grande parte grupos de judeus que vão ali para prestar suas homenagens aos judeus que perderam a vida ali.

Você pode achar muito mais informação sobre esse assunto e sobre Auschwitz pela internet. O site do museu é este: http://auschwitz.org/en/ 

Aproveito para deixar aqui uma parte de um documentário do History Channel com a narração comovente de um soldado da infantaria, que testemunhou a magnitude dos dois campos. Segundo ele, quando você está lá (no caso dele, trabalhando), "você vê, mas não enxerga, você escuta, mas não ouve, sua mente se fecha".... queria saber se esse cidadão ainda está solto...:




E um video também tocante do The Guardian sobre Auschwitz:



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