A crise dos refugiados, a Suíça o terrorismo

Infelizmente é isso aí. Chegamos num ponto tão ruim, mas tão ruim, onde o medo e a sensação de insegurança são involuntários. Não apenas pela comoção pelos outros, mas por nós mesmos. E se fosse comigo? E se fosse eu? Já não bastasse a complicada situação dos refugiados da Síria e o drama que toda essa história desenvolve nas vidas envolvidas em tantos lugares diferentes, o agravante perigo do terrorismo se misturar com o perfil de quem está precisando de ajuda é o pior que poderia acontecer.

Independente de ser pessimista ou otimista, a situação chegou num ponto inesperado. Que o povo não está satisfeito com seu governante, seja ele um ditador ou não, é comum, já vimos essa luta em vários países ultimamente, felizmente com uma vitória da democracia no final, na maioria dos casos. No caso da Síria, o país se enfraqueceu tanto com essa insatisfação e com a rebeldia que até então parecia até tímida diante do que estava por vir, que deu espaço para um mau muito maior.

O terrorismo não é exclusividade do século 21. Abra um livro de história e vai constatar que o mau parece até ser natural do ser humano. Seja figurado por um indivíduo que veste uniforme militar, ou por uma nação que se acha melhor e mais poderosa que a outra, pou por um grupo inicialmente minoritário que usa a religião para justificar a brutalidade contra seres humanos, o mundo continuamente luta pelo colapso do mau, pela vitória do bem, pela liberdade, por direitos, pela igualidade de direitos.

A Suíça conhece de longe esses cenários, pois tradicionalmente se mantém distante de decisões complicadas que envolvam derramamento de sangue e engajamentos que possam trazer consequências drásticas no futuro. Não lutou a primeira guerra mundial, não lutou a segunda guerra mundial, permanece sempre na retaguarda. Por aqui parece que a paz existe de fato, ou o povo pelo menos continua lutando por ela, mesmo que em plebiscitos dominicais, expressando suas preferências e a força da maioria.

Sendo então um lugar tão distante de tais problemas, torna-se, por outro lado, alvo de quem de fato está em tais situações difíceis, quando precisa-se lutar pela vida. Em 2014, a Suíça foi o 8. país na Europa mais procurado para abrigar pessoas perseguidas por governos reprimentes, os dados são do Swissinfo, veja o gráfico abaixo:

Fonte: Swissinfo
Mais de 200 mil sírios pediram asilo na Europa desde 2011, quando o conflito começou. Este número sem dúvida aumentou muito durante 2014 e mais ainda em 2015, quando a crise na Síria aumentou, principalmente com o gradativo domínio assustador e o terror espalhado pelos jihadistas do tão chamado Estado Islâmico, que já aterrorizava o Iraque obrigando pessoas a se converterem ao islamismo e viverem de acordo a sua interpretação sunita de sua religião. Aqueles que se recusam a obedecer sofrem punições e são encarados como infiéis, merecendo qualquer tipo de tortura e violência.

A Síria está hoje praticamente sucumbida pela brutalidade e intratabilidade do Estado Islâmico. A ditadura de seu ainda atual governante Bashar al-Assad que incomodava tanto os EUA, hoje em dia parece uma gota no oceano diante de tanto horror, que se já era terrível apenas o que se era feito na Síria, que querendo ou não, era apenas um país, um espaço de terra, parecia mais fácil "salvar" apenas um país... infelizmente conseguiu literalmente chegar até mais longe, aliás aqui do lado, na França.

A guerra ocidente versus oriente não é de hoje. Estamos vivendo hoje mais uma versão de conflitos antigos, porém o de hoje é acentuado pela religião, que deveria nos tornar pessoas melhores, mais espirituais, mais bondosas e mais gentis uns com os outros. Lá nessa parte do Islã, eles fazem o contrário.

E diante de tudo isso, eu me pergunto, o que será da Síria depois de anos de guerra, de destruições e bombas e múltiplas explosões diárias, e seu povo que se não tiver esfalecido por lá mesmo, está por aí migrando para o resto do mundo, ou perdendo a vida no meio do caminho? O mundo viu a foto do garoto Aylan já sem vida numa praia na Turquia, estampando as manchetes de todos os jornais do mundo o alerta sobre a crise dos refugiados. O que será da cultura síria, da capital Damasco e suas mesquitas seculares, se é que ainda resta alguma de pé? 

E quem consegue levar a cabo a fuga da Síria e chegar aonde quer que seja, como será a vida dessas pessoas num país totalmente novo, estranho, diferente, com outra cultura, outros hábitos, outra religião? Sobreviver a travessia parece ser o menor dos problemas, quando se vê o problema a longo prazo.

Eu fiz há algumas semanas uma reflexão espontânea sobre esse assunto no Snapchat (@elaeamericana) e fiz uma analogia meio pobrinha com a minha situação aqui. Ora, eu não sou refugiada, vim pra Suíça por minha conta e risco, e olha as situações que eu passo aqui. Sobre cultura, sobre idioma, sobre amigos, sobre família, sobre tudo, é uma nova vida que tem que se aprender a viver em outras regras e outro cenário, que até então se conhece quase nada ou muito pouco. Pra mim já é difícil, eu que venho de um lugar que a cultura não é lá tããão diferente, eu me visto até parecido com o pessoal daqui, a religião não é diferente e os hábitos diferentes são compreensíveis, se eu pensar bem. Imagine pra quem vem de um lugar onde TUDO é diferente, e ainda em situação de stress, medo e tensão.

É claro que se faz tudo para sobreviver, e estando vivo, quando se poderia não estar, o que menos importa é o lugar. Concordo. Mas continuando vivo, a vida continua, e continuando a vida, é preciso vive-la, seja trabalhando, falando, comendo, indo a igreja, se comunicando. Enfim. A adaptação dos refugiados não só aqui na Suíça obviamente mas no mundo inteiro que estão os acolhendo é uma questão seríssima, que eu tenho certeza que consequências, mudanças de comportamento e desvios de cultura virão a tona mais tarde.
A Suíça assim como vários países europeus que estão recebendo refugiados entendem que é uma situação extraordinária, as cotas foram estouradas e as regras são quebradas quando se fala de vida. São vidas em jogo. Refugiados são bem vindos aqui, a acolhida pela vida é bem vinda aqui. Porque a Suíça e países de primeiro mundo tendem a ter uma postura do bem, pela vida e usar de seus meios para isto. Aqui mesmo perto de onde eu moro há um centro de refugiados, e eu recebi uma carta há um ano, informando sobre a chegada de mais refugiados, explicando a situação, e me convidando e convidando a todos os moradores da vizinhança para uma reunião esclarecedora de perguntas, que claro, não são poucas.
Eu não fui à reunião, mas o tema é constante aqui entre os meus vizinhos. Constantemente os vemos pelas ruas, sempre em grupos, tímidos ou inseguros, com roupas diferentes. O que será que passa na cabeça deles, eu me pergunto. E onde estão suas famílias. A Suíça recebe muitos refugiados como medida imediata e eles permanecem aqui enquanto a situação de cada um é analisada. Às vezes eles continuam na Suíça, recebem apoio do governo para continuar a vida, arrumar um trabalho, alugar um apartamento, sair do centro de refugiados, trazer sua família. E às vezes são encaminhados para outros lugares, outros países. O tema é bem complexo e polêmico.

O processo para conseguir asilo na Suíça também não é muito simples, obviamente o governo faz diversos checks mas se for confirmado o perigo de vida, o refúgio é conseguido. Os refugiados recebem um tipo especial de permissão de residência na Suiça. 
Mais informações aqui: https://www.ch.ch/en/applying-asylum/

Desde os ataques horrorosos em Paris na semana passada, as principais estações de trem estão com policiais com metralhadoras, coisa que eu jamais havia visto aqui até então. A Suíça não atacou a Síria, assim como não atacou ninguem, e seguindo a lógica do Estado Islâmico... erro meu, não há lógica no que fazem, mas tentando encontrar uma razão na cabeça deles pro que eles fazem, há "razões" por Paris ter sido o alvo... sendo assim, sem "razões" concretas de ações da Suíça contra a Síria, não há porque um ataque acontecer por aqui. Mesmo assim... o mundo está em alerta. O governo suíço disse ontem que não há razões suficientes para introduzir um controle sistemático nas fronteiras para evitar um ataque no país. Não há ameaças por aqui.

A crise dos refugiados põe na mesa já há alguns meses o desafio para a Europa, ainda mais agora com os atentados recentes em Paris e a ameaça de mais atentados, a dúvida de jihadistas estarem entrando an Europa por esse meio. O que fazer? A maioria dos estados dos EUA está convicta de que parar de receber refugiados no momento é a melhor solução para frear o terrorismo iminente. Mas se fizer isso, pessoas inocentes que estão precisando de ajuda vão ter portas fechadas dos países que poderiam de fato salva-las? Estarão presas e sem saídas nas mãos de terroristas brutais? 

Se olharmos no passado e vimos que os judeus que eram alvos de alemães nazistas tiveram que emigrar para salvar suas vidas, o modelo da situação parece coincidir. Quando será que a humanidade vai aprender, e parar de usar a religião e o próximo para justificar suas neuras e psicoses?

É realmente aterrorizante se começarmos a pensar, refletir... por isso talvez eu tenha até evitado escrever sobre o assunto, nem me estender muito quando começo a falar, porque eu tenho um filho, e eu gostaria que o mundo fosse melhor para ele, e não essa crueldade que vejo e ele ainda não entende. Se já foi assim no passado, continua sendo assim agora, de novo, hoje no presente, quem me garante que ele não vai viver esse mesmo terrorismo, ou talvez até pior, daqui a alguns anos?

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