Dos dias difíceis

Outro dia vi um post no Facebook que essas redes sociais só servem pra mostrar coisa boa e não transmite a realidade da vida das pessoas. Ora. Quem é que vai querer saber/ler/se interessar/curtir notícias ruins, tristes? Todo mundo quer mais é ser feliz, se divertir, se inspirar, saber de coisa boa, já basta tanta notícia ruim no mundo. Além do que nem todo mundo na sua página do Facebook tem o mesmo grau de intimidade com você, então o que você conta pra um amigo próximo não é o mesmo que você compartilha com seus colegas de trabalho, por exemplo. Beleza. Mas a discussão é aparentemente tão abrangente que li há alguns meses que o próprio Zuckerberg está pensando em implementar um botão Dislike no Facebook exatamente para tais situações ou um alerta do aplicativo quando você estiver prestes a postar fotos ou textos com "too much information".

Legal tudo isso, mas e aí, que que tem? Bom eu só fiz essa introdução porque aqui no blog também pode parecer que a vida na Suíça é um mar de rosas, que eu só passeio e vou a lugares bacanas e tudo mais. E é claro que não é assim. Primeiro, isso aqui é um blog mas não dá tempo de escrever tudo que gostaria. Segundo, depois de tantas e tantas reflexões, tive que me policiar pra "não falar demais" depois de um certo tempo de blog e alguns acontecimentos por aqui. Mas o blog continua aqui, o meu Instagram tá no ar (@elaeamericana_liana), o Snapchat (elaeamericana) e eu não vou deixar de escrever se eu não quiser e eu escrevo o que eu quero, certo?

Esse blog tem uma tag só de reflexões e olha não foram poucas. Já escrevi muita coisa pessoal, coisa boa, coisa não tão boa. Não tenho vergonha de nada do que escrevo, já me convenci que a exposição é um preço que tenho que pagar, e já desencanei. Outro dia uma colega do trabalho chegou pra mim e disse que tinha encontrado meu "site" na internet... expor minha vida pessoal aos colegas de trabalho, minhas fotos a quem quiser ver. É isso aí. Acho que depois de um certo tempo você deixa os grilos de lado e é isso mesmo que você é (eu, no caso). Eu gosto de escrever e pronto, o blog continua, não ligo. A vida é uma só e temos que seguir nossos sonhos e fazer o que a gente gosta. Eu adoro escrever no blog e para mim qualquer situação esquisita que eu já passei compensa. É quando recebo emails e mensagens com elogios, com verdadeiras confissões ou pedindo conselhos e opiniões de vida mesmo, não só de viagens, me sinto sei lá, tão lisonjeada. Vejo que estou conseguindo passar mesmo o que eu quero pois se voce sentiu confiança suficiente para parar, se abrir e escrever sua história pra mim, é porque alguma coisa eu fiz certo aqui. Como já dizia Walt Disney, de nada serve ser luz senão para iluminar o caminho dos demais. Pra mim o meu objetivo aqui não é ostentar a vida na Europa, viagens caras, marcas nem nada disso. É realmente registrar a minha trajetória. E que bom se em algum momento alguém se identificou comigo.

E nessa vida cheia de sonhos e realizações que eu me joguei de cabeça, há lindos dias, dias maravilhosos de sol e passeios realmente que são memoráveis. Os posts estão aí pra registrar isso. Seja porque conheci um lugar novo, uma cidade nova, um país novo, um restaurante legal, porque revi alguém que gosto, porque meu Alemão hoje tava melhor do que ontem. Realmente são dias super intensos os que eu vivo aqui. Uma leitora que me acompanha no Snapchat até disse que eu deveria escrever outro livro só sobre crônicas porque olha, daria uma novela. Mas há dias que..... olha, é pra rezar pra acabar logo...

Esses dias sempre existiram, os dias difíceis. Desde que morava no Brasil, aliás não importa aonde você esteja, e nem a época do ano. Você tem que saber o gosto amargo para apreciar o gostinho do doce. Hoje em dia eu não posso mais desejar não ter saído da cama porque com Edi... ne. Antes em dias assim eu dizia "queria não ter saído da cama hoje". De qualquer forma não dá pra ficar na cama o dia todo mais (ha-ha-ha, mas é). E mesmo assim com ele mesmo meus dias difíceis se tornam tão melhores mas ao mesmo tempo mais necessitados de detalhes e planejamentos infalíveis e todo o malabarismo que quem é mãe sabe. Claro, não sou mais só eu e o planejamento não é só mais só pra mim. Mas não é mito quando dizem que um sorriso faz tudo valer a pena. E como vale. Principalmente quando vem de um filho seu.

O sorriso do meu filho no final de um dia faz valer tudo a pena. Num dia quando por exemplo já de manhã cedo eu estou atrasada, porque ele mesmo, o Edi, está enjoadinho só querendo colo e eu não consigo me arrumar com ele no meu colo. Resultado: me atraso toda... Começar o dia assim não é legal. Deixa-lo na creche e mesmo ve-lo dando tchau pra mim sorrindo, imaginar que ele vai passar o dia fazendo coisas, brincando, descobrindo coisas novas, ou mesmo que vendo as mesmas coisas, eu não vou estar com ele. É melhor nem pensar muito porque é de partir o coração. É arrumar coragem, força e concentração pra ir trabalhar, porque é preciso.

Quando estava louca terminando de arrumar a mudança em Zurique pra voltar pra Berna, há pouco mais de um ano atrás, fui buscar Edi na creche no penúltimo dia de Zurique, e quando cheguei lá tava Edi com a boca mega inchada, sangrando, pois me disseram que tinha caído da cadeira. Dei um piti porque não me ligaram na hora que aconteceu e quando me acalmei fui com o Eric leva-lo ao hospital pra saber se tava tudo bem com ele. Era uma segunda-feira de noite e o hospital de criança tava cheião. Previsão de espera: 2 horas pra ser atendido. É, amigo, e voce achando que na Suíça era diferente.

Pior não foi a espera. Pior era além de eu ter passado o dia arrumando caixas e tralhas da mudança, não tínhamos (eu e o Eric) comido nada o dia inteiro, planejando ir pegar Edi na creche e irmos nós três comer em algum lugar depois. Ao invés disso, estávamos lá mortos de fome e cansaço no hospital. E pior ainda era o Eric dizendo que não era nada, que eu estava dando muita importância, que ele tava com fome e depois de reclamar muito foi embora e eu fiquei lá sozinha com Edi esperando ser atendida. Mãe não pode ter fome ne. Pai sai vai comer e tá tudo certo, mãe não. O Eric não voltou, se vocês querem saber. E o Edi, descobrimos na consulta, tinha quebrado uma parte do dente e tinha que fazer todo um procedimento pra mandar pro plano de saúde pra ficar registrado lá. Isso porque o Eric tinha dito que não devia ser nada.... Voltei pra casa mais de meia noite, botei Edi na cama e comi um pãozinho na cozinha.

Mas os dias difíceis não são só em relação a Edi e Eric não. É porque com criança as possibilidades de "aventuras" como essa do hospital são muito maiores ne. Mas tenho mil exemplos aqui de dias ruins. Imagine você que teve seu filho e ta ai cuidando dele praticamente só, e antes de ter seu filho voce tinha uma vida super agitada, saía pra lá e pra cá, fazia o que te dava na telha, etc etc etc. Voce não era irresponsável não, pelo contrário. Mas quando seu filho nasceu seu senso de responsabilidade aumentou ainda mais assim uns 200%. Aí uma amiga sua que sempre lhe chamava pra sair e tal, e você com seu filho nunca mais saiu a noite pras festas, e cá pra nós, não sinto falta. Mas num belo dia resolve aceitar o convite e começa toda uma logística de como sair, a que horas, articulações com a pessoa que vai cuidar do seu filho enquanto voce estiver fora, pra pouco antes da tal festa que voce nem queria muito ir, mas só pro "heck of it", voce manda uma mensagem pra sua amiga só pra confirmar que ela vai te deixar em casa de carro depois lá da festa, pra receber um ..."ahhh mas eu quero voltar tarde!" como um tapa na cara. Murchei assim como um balão afrouxando o ar de dentro dele e desisti de sair. Eu nem queria mesmo.

Talvez não tenha sido nem por mal a resposta da minha amiga, porque ela não viu, não ta aqui vendo toda a esquematização e logística de tudo pra conseguir me ausentar algumas hora "teoricamente" para relaxar. Deixa pra lá. Sou, sou exigente sim. Estou aprendendo a gerar menos expectativa tambem das pessoas. Acho que sou sim também meio perfeccionista, mas na minha vida aqui, se eu errar um triz, desencadeia a queda do dominó para vários lados e eu não posso me dar ao luxo. É puxado PRA CARAMBA, mas eu já disse aqui e repito: se fosse fácil não tinha graça. Há dias difíceis, de saudade, de pensar: o que eu to fazendo aqui? Dias de impulso que a maior vontade é arrumar as malas e ir embora sem olhar pra tras. Dias que eu não me encaixo em nada que vejo ao meu redor, que apenas enxergo coisas boas da minha vida no Brasil, que sinto falta da minha cultura, do meu idioma, dos meus amigos. Que o mais quero é um riso sem razão, um bom dia mais que educado, um bom dia de fato me desejando que eu tenha um bom dia, porque eu mereço, porque sim.

Dias que o bolo no forno queima, que você escorrega na neve lá fora, que seu salto quebra, que dá calro, que chega na parada do ônibus e vê que ele acabou de fechar a porta e partir, que o Alemão especificamente hoje que você ouve mais parece Grego e parece que todo o seu Alemão hoje exatamente hoje não quer sair direito. Dias que tá um frio do cão, que seu filho tem febre, que está chovendo e não dá pra ir passear com o cachorro, que o computador quebra e que só tem desgraça na TV. Dias que a febre não baixa, que a saudade não passa, e que as lágrimas são inevitáveis.

Dias que o que você mais precisa é de uma ligação, de um abraço, de uma presença, mesmo que só o que haja seja a ausência e o silêncio. Aqueles dias que você percebe que o que realmente você tem de valor, aqueles dias que voce cresce, que amadurece, e vê que não tem mais volta, que a partir dali você nunca mais será o que foi. Que não é questão de ser passional ou não, é questão de ser humana. De não se contentar com pouco, de não aceitar o que não está certo, de correr atrás do que deseja, do que sonha, do que almeja, mesmo vendo tantos obstáculos no caminho. Que se dá conta que nunca será de fato feliz, se jogar tudo pro alto e deixar apenas a vida levar, e fugir das decisões, das responsabilidades, que as dificuldades e os dias difíceis, por mais que doa dizer e admitir, são necessários, porque é na verdade isto que faz a vida valer a pena.

Embora tenha tido e continuo tendo dias difíceis, prefiro acreditar que a vida é isso. De que adianta uma vida só com coisas boas, mais cedo ou mais tarde perde o valor. Os dias nublados são necessários para que a volta dos dias de sol seja apreciada. Então pra voce que me acompanha e tem a impressão que tudo é sempre as mil maravilhas, tenho novidades: não é. Vou continuar postando fotos e posts de coisas que quero lembrar, registrar, mas sempre soube que as dificuldades sempre SEMPRE vão existir. Não importa aonde você esteja. Prefiro me manter positiva mas crescer, ser adulto, ter responsabilidades tem o seu peso,  e os dias difíceis vão aparecer. Mas quanto maior o peso, maior o gosto da vitória de cada batalha, de cada superação, de cada problema resolvido. A vitória na vida é uma coleção de batalhas, e elas nunca deixam de vir, enquanto voce viver. E eu como não nasci em berço de ouro, preciso ir a luta.

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