O lado ruim da Suíça

Já fazia um tempo que eu queria escrever um post falando do lado não tão bom da Suíça. Porque sim, ok, eu escrevo tantos posts legais de lugares bacanas e como eu me encanto de morar aqui, é verdade. Mas sinto que às vezes pode parecer pra quem lê este blog que a vida aqui é um mar de rosas, e recentemente eu fiz questão de escrever um post pra relembrar que não é. Porém o post foi pessoal, poderia ser em qualquer lugar, e no fundo, é isso mesmo, a vida tem seus problemas em qualquer lugar que você estiver. Sair do Brasil não é a solução dos problemas de ninguém. Em todo os lugares tem vantagens e desvantagens e cada um sabe onde aperta o calo. Se eu continuo aqui é porque sim, no momento a vida pra mim é melhor aqui. Mas isso não quer dizer que a Suíça linda do jeito que é também não tenha problemas. Digo problemas específicos do país. Eu escrevi já um post há uns anos atrás falando sobre isso, mas sinto que chegou a hora de escrever de novo. Agora, com mais tempo de Suíça, mais experiência, acho que estou mais preparada para falar. Então motivada por esta matéria sobre a Noruega que também sempre está no topo das listas e pesquisas de melhores lugares a se viver, qualidade de vida e todas essas coisas que aqui na Suíça também tem, criei coragem para sentar aqui e falar do que que não é bom na Suíça

Os países da Escandinávia todos têm uma qualidade de vida altíssima, baixíssimos níveis de desemprego, violência. Por lá a segurança é maravilhosa, você anda de transporte público por onde bem entender sem medo de nada, tudo funciona, tudo é pontual. Aqui na Europa central também é mais ou menos assim. A exatidão e as coisinhas certinhas são um pouco menos que na Europa lá de cima, porém a Suíça ainda se encaixa melhor nas regras e modo de vida do povo da Europa do norte. Isso porque aqui perto tem a Itália e a França, que querendo ou não, sim, são países europeus bons pra viver mas que ainda sofre com influências de corrupção, maior índice de desemprego, falta de segurança nas ruas, etc.

Aqui na Suíça, não. São casos isolados que acontecem de roubos, assalto a mão armada nem pensar, e sinto falar isso, mas quem pratica coisas assim por aqui geralmente são imigrantes. Mas então, onde estão os problemas da Suíça mesmo, que nascem aqui e são daqui, sem influências de imigrantes?!
Fonte: http://blog.internations.org/2015/04/the-happiest-campers-the-world-happiness-report-2015/

- Impostos
Bom, para começar, assim como na reportagem sobre a Noruega, os impostos! Sim. Aqui há imposto pra tudo, já escrevi um post falando por alto sobre isso, mas além de haver imposto pra tudo que você pensar, aqui os impostos são muito altos. Eu só agora, depois de quase 7 anos de Suíça, estou mudando o meu status de residência e não pago mais o Quellensteuer, que é o imposto descontado direto no seu salário (normalmente para imigrantes), porem agora não só continuo tendo descontos direto no meu salário, como pago o imposto de renda no final do ano, que é mais que um salário inteiro meu assim numa lapada de uma vez só. Esses são os impostos federais e regionais, sem falar no imposto da televisão e do rádio, do cachorro, da igreja, da calefação. E olha, não é barato. A gente sente o rombo no bolso. E por mais que você fale "é mas aí você paga imposto mesmo alto, mas pelo menos vê o resultado". Sim, é verdade, mas não muda o rombo na minha conta e nas minhas economias que têm de mudar minhas prioridades.

- Não há saúde pública
Aqui na Suíça não existe saúde pública. Morando aqui, você é obrigado a ter um plano de saúde privado para cobrir qualquer coisa que você precisar em relação a consultas, internações, emergências, absolutamente qualquer coisa. Sem plano de saúde aqui você está fora da lei, e fora da lei, não preciso nem dizer o que acontece com você. Ou terá que pagar multa ou o valor do plano atrasado referente ao tempo que passou sem plano de saúde e ainda com multa. Isso se não for deportado, dependendo do seu status de residência por aqui. E outra, o plano de saúde não é barato. Seja lá qual for a seguradora, não sai por menos de 300 francos por mês, isso se a sua carência for alta, ou seja, quanto maior o valor da carência, menor o valor que pagará por mês. Porém quando precisar usar o plano de saúde, se tiver por exemplo uma carência de mil francos, terá que pagar todas as despesas além do que já paga por mês até atingir mil francos, para que o plano te reembolse do que você gastou. Para diminuir a carência para por exemplo 300 francos, o valor que você paga por mês aumenta, mas pelo menos se você precisar usar, terá que pagar as despesas até o valor da carência - 300 francos - para que o plano comece a te reembolsar dos gastos. Isso vale por ano. Vira o ano, zera tudo. É um sistema difícil e despendioso. É fechar o olho, pagar e rezar para não precisar usar.

- Sociedade excludente
Talvez esse ponto ainda precise de mais reflexão por aqui. Mas há um fator "novo" pra mim que estou percebendo a medida que a minha vida vai mudando, e em suma, me parece que o sistema que move a sociedade neste país é bastante opressivo e excludente. Posso dar alguns exemplos. O sistema escolar, por exemplo, se você acha cedo no Brasil um jovem adolescente decidir que curso vai fazer na faculdade e prestar vestibular, você precisa conhecer o sistema suíço. Aqui desde cedo, quando os estudantes são crianças, já começa a existir uma separação de alunos bons e alunos não tão bons, e não são separados por sala não, são separados por escola mesmo. Os melhores alunos vão para escola secundária e seguem seguindo até talvez chegar numa universidade, enquanto outros que começaram a mostrar dificuldades permanecem na escola primaria e se tiverem "sorte" podem tentar um curso técnico lá na frente. Isso tem uma enorme influência primeiro na criança, no ser humano que está se formando e crescendo e tem que se separar do convívio de colegas pois não têm o menos nível intelectual (ainda, talvez...?). E depois o impacto que isso traz na sociedade pois isso quer dizer que apenas os "bons alunos" têm maiores chances de ingressar na universidade e ter um diploma, uma carreira, enquanto os outros precisam ir por outros caminhos para ter chances melhores na vida. Isso tudo sem falar de gêneros ne, porque já falei aqui algumas vezes que a Suíça não é muito fã de mulher que trabalha. O sistema escolar tem horários totalmente dessincronizados, fazendo com que seja quase impossível uma mãe trabalhar fora e dar conta dos filhos. Resultado do sistema? Mães largam a carreira. E o impacto nisso na sociedade? Homem pode trabalhar tranquilo e mulher tem que ficar em casa esperando o filho chegar para almoçar, é isso mesmo? Isso porque é primeiro mundo.

- Alta taxa de suicídio
Eu levei um choque muito grande logo no início da minha vida aqui na Suíça, quando um colega do trabalho se suicidou. Nunca tinha sentido um baque desses na vida e depois daí vi que por aqui infelizmente isso é uma coisa normal. Todo mundo que mora aqui conhece ou (conheceu ne) alguém que se suicidou. Seja amigo próximo ou colega do colega. Eu cheguei a comentar sobre isso no post que escrevi há uns anos atrás, mas o incrível (ou talvez não), a Suíça continua lá em cima também na lista de países com altas taxas de suicídio. Mesmo comparados com Noruega, Suécia e Inglaterra, aqui a taxa mesmo tendo diminuído nos últimos anos, continua alta. São 14,3 suicídios a cada 100 mil pessoas (dados de 2007), comparados a 22 suicídios a cada 100 mil pessoas, que eram os dados de 1984. Aqui na Suíça, a prática do "suicídio assistido" é legal desde 1942 e apoiada pela população, isto é, se uma pessoa está com uma doença séria como cancer por exemplo e resolve não viver mais por estar em grande sofrimento, tem o direito de decidir terminar com a própria vida e o médico deve apoia-la prescrevendo drogas letais. Milhares de pessoas viajam até a Suíça para encerrar suas vidas por aqui legalmente, pois a prática não é autorizada pela lei em vários outros países e por aqui, o paciente não precisa ser suíço para "conseguir" se suicidar legalmente. O Suicídio Assistido é diferente da Eutanasia, onde um médico não está envolvido, e a Eutanásia na Suíça é proibido por lei. É triste saber que infelizmente, as altas taxas de suicídio vão além das taxas do suicídio assistido, o que leva a crer que quem faz parte da estatística são drogados ou pessoas depressivas que terminam tirando sua própria vida. E aí está o grande paradoxo, pois a população da Suíça foi eleita o povo mais feliz do mundo neste ano.

- Clima
Tá aí, acho que esse fator contribui para a depressão, o que leva ao suicídio. É só uma teoria. Ora, um lugar onde tem mais da metade do ano de inverno, sim porque de outubro a março/abril aqui é praticamente inverno. Tem as épocas de inverno glacial que é dezembro e janeiro, mas no outono e início da primavera aqui na Suíça ainda há dias de muito frio e quem sabe até neve. Tem gente que cresce aqui e se acostuma, mas é difícil viver tanto tempo com tanta roupa, com tantos dias cinzas, com tanto frio, com a falta de sol. Eu sempre digo que o problema do inverno é que ele é muito longo. E é por isso que quando chega a primavera e o verão que os dias de sol são mais longos e as temperaturas aumentas, até o povo na rua parece mais feliz.

- Frieza das pessoas
E esse ponto deve ter a ver com o clima também. Tiro pela minha guia russa que andou comigo em Moscou, que disse que o povo na Rússia era acostumado a ter tanto tempo de frio e inverno, que se acostumam (infelizmente) a serem mais frias, mais individualistas. Aqui na Suíça não é tão frio como na Rússia mas as pessoas também são frias. Não há aquele calor que nós brasileiros crescemos com ele, digo calor humano mesmo. Abraçam pouco, são menos espontâneos, mais individualistas, mais sérios. Isso é ótimo para trabalhar, organização e regras, mas uma vida inteira só assim ninguém aguenta.

- Racismo
Nem vou me aprofundar muito nesse tópico pra não fazer esse post mais polêmico do que ele já é. Já refleti aqui sobre esse assunto, já falei do partido xenófobo que tem aqui e que muitos suíços se identificam. Aqui é apenas um resumo. É fato, aqui o racismo é problema sério. Às vezes é tão escancarado que dá nojo, e me deixa é mais triste ainda é que muitos não sentem a menor vergonha de falar, de expor o que pensam e vejo o quanto de desprezo um ser humano é capaz de ter pelo outro. Seja por raça, por origens étnicas, por nacionalidade, como se tivéssemos cada um de nós escolhido o lugar de onde viemos e estivéssemos destinados a sofrer o resto de nossas vidas pelas nossas escolhas.

Bom, esses são os aspectos que consegui lembrar e refletir, que me fazem achar que a Suíça não é tããão perfeita assim. Sim, em algumas outras coisas ela é sim maravilhosa, perfeita, eu gosto muito de morar aqui, porque há outros fatores que no momento superam o lado ruim. Mas cada um sabe de si. Eu conheço pessoas que jamais conseguiriam viver muito tempo por exemplo com a frieza das pessoas daqui, ou com o frio que faz aqui por tanto tempo, enfim. Cada um é cada um. E cada lugar tem obviamente seus altos e baixos. Que fique claro que a Suíça também tem.

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