Regras e etiqueta da Suiça

A organização suiça é um dos principais temas que fazem pessoas chegarem a este blog. A curiosidade de como é morar na Suiça, como são os suiços, como é o dia a dia e como eles se comportam, quais são as regras. Como disse no post anterior, peço desculpas por não conseguir responder a todos os emails e pedi encarecidamente que usem o bom senso na hora de mandar seu email, embora eu saiba que por falar tanto aqui no blog, termino abrindo espaço pra isso, então tá, vamos lidando com isso como dá. Mas aí pensei que poderia escrever outro post falando mais do que aprendi e vi aqui sobre este assunto.

Este post aqui é um dos mais acessados deste blog, então de uma lida lá também pra ter mais noção de como são as coisas por aqui. Lá falei da organização suiça, de uma forma mais geral, de regras que seguidas fazem uma ideia do comportamento do povo daqui e tudo mais. No entanto, que regras são essas? Além de regras de atravessar a rua na faixa e respeito e agendar coisas com antecedência, há centenas de outros aspectos que eu não conseguiria enumerar tudo em um post só. Até porque eu talvez nem conheça tudo.

E também morando aqui, depois de um tempo voce termina acostumando e termina sendo normal pra voce algumas coisas. Tentei então enumerar algumas que fazem parte do costume e da cultura daqui pra dar mais uma noção do perfil do lugar.

Bom, pra começar, nos prédios aqui não há porteiro. É, não tem.  Os prédios não tem grade, nem portaria, como falei aqui. Na porta principal, tem as caixinhas de correio com o nome de cada um onde é posta sua correspondência, um botão que é o interfone que toca direto no seu apartamento e só. Os moradores têm a chave da porta do prédio e são eles mesmo que abrem a porta para visitas ou qualquer pessoa. Não tem segurança de plantão, não tem nada, não precisa. Mas sempre há um cartaz da administração do prédio na entrada com as regras do prédio.

Não pode ouvir música alta depois das 10 da noite. Deve-se cumprimentar os vizinhos. Abrir as janelas do apartamento por algum tempo para trocar o ar. Não brincar nem fazer barulho nas escadas. Deixar a lavandeira limpa e organizada. Colocar o lixo lá fora direito. Assim alguns lembretes para a boa convivência e o bom andamento do dia a dia no prédio. Normal.

Sair na rua e cumprimentar desconhecidos não é normal, a não ser que voce (como eu) esteja passeando com o cachorro e encantar quem está cruzando por voce. Sempre vão parar pra brincar ou rir para Juca e dizer um "Grüezi" pra mim. Se tiver com outro cachorro então, aí pára, deixa cheirar, pergunta se é macho ou fêmea ou quantos anos tem e pronto. "Ade" e continue seu caminho.

Eu sempre ando com Juca na coleira, porque ele fica simplesmente empolgado demais nos passeios e é sem noção suficiente de ir pro meio da rua. Não é treinado e (tão) educado robótico como os cachorros daqui que mesmo sem coleira andam do lado do dono e obedecem a cada comando. Não, Juca definitivamente não é assim. Ele obedece, mas ele quer mais é brincar, cheirar o chão, comer a grama, e minha voz é a última coisa que ele dá atenção num passeio. Tem que andar na coleira.

Embora eu tenha pra mim que mesmo que Juca fosse sim adestrado eu ainda não andaria com ele solto, pois cachorro é bicho e não dá pra confiar 100%. E se ele atacar uma criança? E se ver outro cachorro e sair correndo? Sei lá, não confio. Portanto não curto quando to andando e aparece aquele cachorrão enorme solto querendo cheirar Juca e eu fico sem saber o que fazer, porque sei la, vai que se eu pegar Juca o cachorro pula em cima de mim? Não gosto mesmo. Aí aparece o dono lá longe chamando o cachorrão, que depois de umas três ou quatro chamadas é que atende. E se fosse uma criança pequena que tem fobia de cachorro? Em parques muitas vezes há placas e sinalizações avisando que ali naquele espaço o cachorro (não importa o tamanho) tem que estar na coleira! Exatamente pra evitar essas coisas.

Apesar de praticamente todo mundo apanhar o coco do cachorro com os saquinhos espalhados em lixeiras e jogar o coco no lixo, em muitos parques também há um lembrete de não deixar o cachorro fazer coco na grama, pois é área de crianças brincarem ou coisa do tipo. E tem que respeitar. Aliás, aqui no blog já fiz um post sobre essa questão do lixo que é muito levada a sério.

Nesses mesmos parques, as vezes há outras placas avisando de outras regras como jogar lixo no lixo, conversar com outras pessoas, prestar atenção nos seus pertences, não ouvir música alta, não fazer fogo e não fumar. Além, claro, de informações de abertura do parque, pausa, e prioridades (estudantes, crianças, pessoas da comunidade e esportistas). Isso é para "afastar" os sem noção que de vez em quando aparecem "acampando" em algum lugar.

Além de uns lembretes de o que é proibido como uso do parque na madrugada, e ainda avisando da possível multa em caso de mau uso no valor simbólico de mil francos.

Como voce ve ai na foto, a placa de "Verbot" ("Proibido") está pixada e essas coisas ainda são muito criticadas, do que pode, do que não pode, embora ainda seja seguida bem a risca por quase todo mundo.

Criticado porque assim voce está determinando como uma pessoa deve se comportar e isso ainda não é totalmente aceito - se é que um dia vai ser.

Aqui na Suiça há um alto índice de suicídio. Regras e proibições terminam determinando como uma pessoa deve se comportar no país quando está fora de casa, e claro que nem sempre se aplica a todos. Aos que não se encaixam nas regras, terminam se isolando e podem tornar-se "problema" pro país. Mas isso já é outro assunto.

Enquanto a smalltalk suiça é uma arte, pois vai além de saudações entre vizinhos, usar "du" ou "Sie" pra tratar uma pessoa na formalidade ou não é tão normal que pra passar disso deveria existir um manual pras diferentes situações. Mesmo que voce frequente o mesmo consultório odontológico por anos, a secretária lá vai sempre lhe tratar na formalidade. Nada de perguntar como foi o fim de semana, ou usar "du" porque voce está ali como cliente e ela está trabalhando. Passar daí, amigo, é uma arte. A moça com quem voce negocia o apartamento há um tempão também vai continuar lhe chamando de Frau ou Herr e o seu sobrenome. Leva um tempo pra se acostumar. E mesmo que voce tenha passado de Sie para du com o seu vizinho não significa que a smalltalk vai avançar muito. Voces podem até ser da mesma idade mas podem continuar só na conversa de elevador, comentários sobre o clima e saudações usuais do dia a dia.

Convidar pessoas pela primeira vez pra ir a sua casa é um grande passo. Se voce tá nessa de ser informal com seu vizinho mas não passa de conversas sobre o clima, é um graaaande risco. Abrir sua casa, sua intimidade, seu canto, pode ser um sinal de que voce está aberto a amizade e simpatiza com a pessoa, mas por outro lado pode parecer muita abertura e os suiços podem achar esquisito. Oferecer um apero é de praxe. Apero que eu tanto já falei aqui no blog é um happy hour, uns drinks com uns aperitivos, sem muita formalidade de jantar e mesa pronta, é a oportunidade para socializar mais. Apero = socializing. A regra é essa. Muitas vezes dá certo e é normalmente bem agradável, eu adoro ser chamada pra um.

Já marcar de sair com alguém é um passo muuuuito mais além. Primeiro: sair pra onde? Com mais alguem? Quem? Se for gente do trabalho, tá tudo certo. Mas seja com quem for, regras de comportamento e smalltalks também valem a pena ser lembradas. Nada de abrir sua vida pessoal pra quem voce conhece há pouco tempo só porque estão saindo juntas, ou juntos. O melhor é ir devagar, curtindo o momento, a comida, ou a bebida, sem stress nem muita ansiedade. Suiços não são de fazer farra até tardão da noite, e dependendo da cidade não tem nem opção de embalar um bar numa discoteca por exemplo. Tudo começa cedo, e é tudo muito organizado. Ah, e não esqueça de deixar sua gorjeta no final ao dividir a conta.

A não ser que a outra pessoa se ofereça a convidar voce e pagar a conta, a regra é sempre dividir a conta no meio. Não importa se voce bebeu um drink a mais que a outra pessoa ou se ela comeu mais que voce, o mais educado é dividir no meio mesmo e deixar uma gorjeta razoável pra quem lhe atendeu.

Enfim, são tantas e tantas regrinhas e coisinhas que existem no dia a dia que não dá pra enumerar tudo aqui. De tomar chá com o fondue, andar no tram com bilhete mesmo sem ninguem pedir a ficar parado do lado direito da escada rolante e deixar o esquerdo livre pra quem quiser passar, são coisas que não estão escrito em nenhum manual, se aprende com a convivência e com o tempo.

Mas bem, embora não haja manual, muitas dessas impressões e regras estão muito bem escritas em um livro que li recentemente, o "Swiss Watching", de Diccon Bewes. Diccon é britânico, mora em Berna há vários anos e descreveu costumes e curiosidades sobre a Suiça muito muito bem neste livro. Ele faz várias comparações dos suiços com os britânicos que é de onde ele vem ne, então nem tudo se aplica a quem tá lendo e nem sempre vai se entender todos os trocadilhos que ele faz, mas é uma ótima leitura. Voce se ve em várias situações já passadas, reconhece cenários que ele descreve, é muito interessante. Eu o vi uma vez na livraria Stauffacher em Berna onde ele trabalha, ele está normalmente na área de livros em Inglês no 2o andar dando dicas e sugestões de livros, mas o meu exemplar era no Kindle e eu não pude pedir um autografo hahahaha. Quem tiver a chance e a curiosidade, vale a pena. Já é um começo.

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