Segundas impressões sobre morar na Suíça

Eu tenho escrito tanto sobre outros lugares, que já já a Suíça vai ficar pra trás. Eu já queria há bastante tempo escrever sobre mais impressões em morar na Suíça, mas enfim, nunca dava. Com o email da Germana, de Recife, encorajada por mim, eu me encorajei por ela!

Berna, capital da Suíça
Com certeza outras expatriadas podem ler este post e se identificar muito, ou dizer que poderia estar falando sobre a França, sobre a Holanda, a Alemanha, etc. Muitos aspectos de morar na Europa são parecidos, não importa qual país que vc esteja, mas os detalhes só se descobre vivendo.

Por exemplo, acho que todo mundo vai dizer que o sistema de transporte é bom, pontual, organizado, as ruas são limpas, os sistemas funcionam, é, nesse lado, é tudo ótimo. E isso faz sim diferença no dia a dia. Aqueles pequenos stresses de atendimento ao consumidor que no Brasil é impraticável, por exemplo, aqui não vi ainda.

Essas coisas, sabe. Primeiro mundo. É, aqui é primeiro mundo sim. As pessoas são super educadas, falam por favor, obrigada, desculpe, bom dia, boa noite, SEMPRE! Mas tem o outro lado da moeda também. Ninguém vive só de falar bom dia, boa tarde, boa noite. O contato com o povo desta terra além disso é uma caixa preta.

No geral, no geral mesmo, o suíço é um povo muito reservado. São educadíssimos, super inteligentes, minha nossa Senhora, vc consegue conversar sobre quase tudo com um suíço. São super ligados em esportes, natureza, são sinceros, não são superficiais, e por mais modernos que sejam, ainda assim, o respeito é fundamental.

Com um ano de namoro com o suíço, eu aprendi muito de perto sobre os valores numa família suíça, sobre comportamento. E com as amizades, também pude vivenciar experiências e atividades tradicionais da cultura bem de perto, como a noite de Natal, o dia perfeito para esquiar nos alpes, um pic nic, um aniversário, enfim. Foram tantas situações já vividas, e eu pude ir pouco a pouco formando minha opinião e entendendo como eles funcionam.

Os suíços sempre me trataram muito bem, embora a aproximação seja um processo complicado, longo, exigente e difícil. Não pra eles, pra vc, óbvio. No Brasil, vc conhece alguém, já troca telefone, conta a vida inteira, vira melhor amigo da noite pro dia, sai todo fim de semana e pronto, aquela pessoa é especial pra vc. Aqui na Suíça não. Conhecer, se conhece muita gente. Mas penetrar mesmo na vida, trocar confidências, sair do small talk, não é nada que vai acontecer da noite pro dia.

Pra eles, vc é só mais uma pessoa que ele está trocando algumas palavras, e não há razão pra se abrir. Depois de muitos encontros, muitas saídas, e sim, aqui a regra do alcool também funciona, mas calma, não como no Brasil. "Nunca fiz amigos bebendo leite" - tá, aqui também tem isso, mas ninguém também bebe tanto assim e não é ficar bêbado e pronto. Ver um suíço bêbado é raro. Mas sair pra conversar, tomar uns drinks e contar uma coisa ou outra, conversar, trocar opiniões, isso sim é normal. E nesse processo, pode-se lentamente fermentar uma amizade. Sempre com muitíssimo respeito e sinceridade.

Pode até parecer meio chato falar isso, mas o suíço é até um pouco ingênuo, no sentido de ser honesto. Em algumas atitudes, pode sim parecer um pouco infantil até, idôneo, é raríssimo alguém querer passar a perna em vc, querer se aproveitar de uma situação, ser malandro. Aqui não tem disso. Acho que até o cara que pede esmola na rua é honesto. Veja bem, O cara, só tem um.

Nunca vi ninguém reportando assalto, nunca vi notícia de sequestro. Mas já vi janelas de primeiro andar com grades, o que é muito raro também, vale salientar. Aqui os prédios, as casas, são todos no meio da rua, sem porteiro, sem grades, sem cerca elétrica, sem portão. Às vezes a varanda é no térreo e as portas ficam abertas.

Até uns amigos que moram na Itália quando vieram aqui e viram isso também ficaram surpresos.

O irmão de uma amiga suíça é policial e conversando uma vez com ele, ele disse que a grande maioria de notificações que a polícia suíça recebe tem origem de estrangeiros.

Já escrevi um post dizendo que às vezes parece que a Suíça vive além do mundo real. Hoje eu digo que a Suíça parece o interior da Europa, sabe. Só que um interior de elite, apesar de pouco glamour, influências de moda, marcas, apesar de existir muita gente com dinheiro aqui. É, eu sei, é meio contraditório mesmo. Mas é, é assim que é aqui. É como se coisa de qualidade fosse o padrão, embora ninguém precise viver numa competição por causa disso. E isso não é só impressões de morar em Berna não. Zurique pode ser a maior cidade da Suíça, mais cosmopolita e internacional, mas se vc abstrair a influência e a quantidade de alemão que tem lá, o centro suíço mesmo, é igual.

No trabalho, são pessoas altamente eficazes, capazes, inteligentes. Mas não vão fazer hora extra, não vão deixar de tomar seu chá da tarde porque um projeto tá atrasado, nem vão ser camaradas se vc tiver um problema pessoal. Trabalho é trabalho. Tra-ba-lho! Estritamente profissional.

Preconceito é um assunto delicado. Ninguém admite, mas rola, sim senhor. Senti muito quando estava no curso de francês. Tinha muito suíço no curso que cresceu na parte alemã da Suíça e agora precisava retomar o francês. Claro, de vez em quando aparecem outras pessoas no curso que não são suíças e não estão nesta mesmíssima situação - opa!

Mas não é uma coisa generalizada. Alguns sentem uma admiração verdadeira com algumas nações "exóticas", outros não tão nem aí, e outros simplesmente não gostam. Mas a parte boa é que a minoria é a que não gosta. Mas também quando se encontra uma pessoa assim, é um saco, porque a pessoa fala com tons debochantes, e talvez até nem seja de propósito, mas é humilhante. Se livrar de situações como a que eu passei no curso de francês é dureza. Depois ainda dura um tempão na cabeça e querendo ou não, deixa marcas.

Mas a gente é forte, e consegue superar. Pessoas preconceituosas tem em qualquer lugar. Eu já esfriei um pouco a cabeça em relação a isso. Embora algumas vezes ainda tenha que respirar fundo. No happy hour do trabalho uma vez, fiquei sabendo que teve uma brasileira antes na empresa onde trabalho agora, e deixou uma impressão muito ruim. Não trabalhava direito, pessoas trocavam emails com fotos dela, uma coisa triste. Então quando eu cheguei, algumas pessoas já tomaram essa experiência como pré-conceito e resolveram não ir com a minha cara, só esperando os 3 meses de tempo probatório passarem pra eu sair. É, só que eu não saí.

Acho que brasileiro em geral tem uma impressão já "taken for granted" e a partir daí temos que moldar o conceito das pessoas. Senão, pra quase todo mundo, nós somos pessoas festeiras, que não gostamos muito de trabalhar, que só queremos saber de farra, sol, calor, e algumas pessoas simplesmente não conseguem entender porque eu deixei o lindíssimo Rio de Janeiro para vir morar no frio, então a única resposta que encontram é: homem. Então atitudes com colegas do sexo masculino são julgadas por todo mundo, e é um saco, até vc provar seu comportamento, sua postura, e eles terem uma impressão que vc "não é dessas". É, é chato mesmo.

Brasileiro não tem a melhor das reputações. E muitas vezes faz por onde também, sabe.

Tipo, eu não vim pra Suíça pra só falar Português, pra só ter amigo brasileiro, só comer comida brasileira (quem dera!), e viver como numa bolha como se fosse um Brasilzinho na Suíça, sabe como é?! Pois é, mas tem gente que vem pra cá e vive assim. Não faz a menor questão de se integrar na comunidade, na cultura do local, e isso aí eu já tenho meus porems. Ok, eu não sei da vida de cada um, nem quero saber das dificuldades que talvez trouxeram a pessoa até aqui, mas pra mim, não importa, é preciso fazer um esforçozinho. Pessoas que não se esforçam pra fazer parte da cultura daqui não são bem vistas nem bem vindas pela população, nem pelo governo. O governo, pelo contrário, quer que as pessoas se integrem, procuram fornecer programas de informação, cursos com preços accessíveis. E mesmo assim, ainda tem gente que não consegue e ainda faz o pior de tudo - fala mal.

Eu não vou nem me extender nessa questão pra não me aborrecer. Porque de verdade não curto essa praia. Curto gente que quer vir pra cá interessado em aprender mais, em evoluir e abranger os conhecimentos, aí sim, a pessoa está mais preparada pra encarar as diferenças e o choque. Veja, o idioma, por exemplo. O Alemão é uma das línguas mais complicadas da face da terra. Se a pessoa não tiver boa vontade, não rola.

A pobreza aqui na Suíça é quase nula. Existe gente miserável mas muito provavelmente "porque quer". Porque entrou no mundo das drogas, porque usou e abusou e no fim, é uma pessoa fraca, mais do que má. O governo ajuda pessoas com vícios com programas de suporte financeiro, acompanhamento médico profissional, apesar de muitos só aceitarem pelos benefícios que recebem. O governo é ciente, mas continua ajudando, pois crê que mais cedo ou mais tarde, o necessitado vai perceber que é a única ajuda que ele vai ter na vida.

O dinheiro aqui vale muito bem. No momento, com a crise do euro, a queda do dólar, e a alta valorização do franco suíço, o dinheiro tem valido mais ainda. Viajar é uma beleza, nem sai tão caro! Apesar de a Suíça ser um país caro, muitas coisas são bem accessíveis, e quem tem um emprego, não passa necessidade. Vc gasta muito em franco suíço, mas vc ganha em franco suíço. As coisas são caras, mas a pessoa pode pagar. Se vc tem um emprego fixo, o básico vc consegue pagar, ninguém passa necessidade, e com um esforço, dá pra bancar um luxozinho.

Aqui é normal, todo mundo viaja muito. A mulher que trabalha no mercado vai passar as férias no mesmo lugar que o gerente de uma loja. Aqui não tem disso. A diferença social é muito menor, e os problemas sociais são menores também.

A Suíça é muito bem estruturada na sua república federal, seus 26 cantões. A Suíça é um dos países mais ricos do mundo, e não faz parte da União Européia. Existem acordos como o Shengen e participações, mas a Suiça é tão rica que perderia se se juntasse à UE, então pra ela é melhor permanecer como está. Zurique e Genebra são tidas quase todos os anos como cidades com melhores qualidade de vida do mundo. A neutralidade e o comportamento suíço já provaram ser modelos para muita coisa. O país é sede de muitas organizações internacionais, como FIFA, UEFA, Cruz Vermelha, Forum Econômico Mundial, ONU na Europa e muitas agências da ONU, onde eu mesma já trabalhei em uma delas.

O país é minúsculo e ainda assim tem uma variedade tão grande de cultura. Eu acho que não poderia estar em outro lugar. Alemão, Francês, Italiano - tudo alcançado a poucas distâncias. Suíços são muito orgulhosos de sua confederação, e eu estou muito contente e satisfeita de me manter por aqui, manter impressões positivas sobre esta terra alpina. Claro, nem sempre tudo são flores, mas em nenhum lugar do mundo é. Por enquanto, eu vou ficando por aqui.

Tschüss!
Ciao!
Au revoir!

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