Saúde pública? Na Suíça não, obrigado.

É isso. Hoje foi dia de plebiscito aqui na Suíça e uma das pautas era um sistema de saúde pública no país. Sim, a saúde aqui na Suiça é inteiramente privada e obrigatória a todos que têm residência fixa aqui. Não existe saúde pública. E hoje foi a 3a tentativa de mudar isso nos últimos 10 anos. E mais uma vez, a maioria do povo suíço disse NÃO.
Esse é um tema obviamente polêmico, mas resolvi escrever mesmo assim porque é um assunto que me interessa. Eu acho plano de saúde aqui na Suíça carérrimo e tava acompanhando ansiosa as discussões da votação e curiosa pra saber o que ia acontecer.
Os defensores da iniciativa alegavam que o sistema atual é muito caro e não existe de fato uma concorrência entre as 60 empresas de seguro saúde que existem no país. Sendo assim a pessoa fica "presa" e sem opção a não ser aceitar qualquer plano obrigatório. Além disso os planos atuais tentam atrair jovens que normalmente não usam muito o sistema, e deixam os mais idosos de lado, que são quem de fato precisa. A iniciativa tinha também como ponto positivo a economia de quase 350 milhões de francos suíços com custos administrativos, além de reduzir a despesa total da saúde em 10% nos próximos anos.
Vários partidos políticos e empresas em contrapartida fizeram a propaganda contra. Encheram as cidades de placas e pessoas nas ruas dando panfletos com as desvantagens nas últimas semanas. Disseram que ia burocratizar o sistema, deixar mais lento e ineficiente, alem de não dar à pessoa a possibilidade de escolher entre o plano de saúde que quiser. Disseram que a Suíça tem hoje um dos sistemas de saúde mais bem sucedidos do mundo e não tem pra que mudar. Ignoraram os números da defesa, mas enfim.

O resultado da votação saiu agora há pouco e a iniciativa foi rejeitada. A maioria de 61% disse que não, não quer um sistema público de saúde, não quer o Estado administrando hospitais e seguros de saúde, deixa privatizado mesmo. Você pode ler sobre o assunto em Português aqui.
O interessante é olhar mais de perto nesse resultado e ver que a parte alemã, que é maioria do país, foi quem votou Não, enquanto a parte francesa e italiana sim, eles queriam o sistema público de saúde. A francesa mais que a italiana mas ainda assim. Mais uma vez a Suíça se divide claramente em opiniões e não só em cantões e idiomas. Digo mais uma vez porque já comentei sobre essa "divisão" não só territorial no post sobre a guerra enterna contra os estrangeiros, quando a parte alemã também foi maioria na votação que decidiu introduzir uma quota na entrada de imigrantes europeus na Suíça (leia aqui).

Lembrando que aqui na Suiça o voto não é obrigatório e o plebiscito teve participação de 47% da população, um número ate elevado. A questão, gente, é que a parte alemã é onde estão a maioria das sedes das empresas, dos bancos, é aqui onde o povo tem mais trabalho, onde as taxas de desemprego são baixíssimas e onde rola a grana, desculpe a franqueza. O povo que mora em Zurique tem dinheiro pra pagar seu plano de saúde. Mudar pra que ne? Pra economizar é que não é.

Eu nem preciso disfarçar que sim, seria a favor do sistema público aqui (não sou de fato porque não voto, estrangeiro não vota, só suíço), porque gente, dificilmente alguma coisa aqui nesse país iria cair de qualidade, seja o rumo que tomasse. Dificilmente o governo deixaria o povo na mão, dificilmente você teria que enfrentar filas em hospitais ou não poderia escolher qual médico ir.

Pra mim hoje que uso o sistema e usei muuuito o sistema durante a gravidez, eu, como usuária, o sistema atual também não é perfeito. E não tem nada a ver com eu ser estrangeira, digo logo, porque enquanto a isso não tem diferença. O plano de saúde básico é obrigatório a qualquer pessoa que mora aqui. Se você fixar residência aqui, recebe uma cartinha do governo pedindo que mande uma cópia do seu contrato de plano de saúde, e se não fizer dentro de X dias, o governo determina um plano pra você e manda a conta pra sua casa. Mas continuando, o sistema hoje não é perfeito. Sim, a saúde é boa, sim, os hospitais que fui são de qualidade, mas gente, não tem diferença nem privilégios, você tem hora marcada no médico, chega, as vezes têm que esperar. As emergências não estão por toda parte e o atendimento não é ultra rápido e mega bom como deveria ser.

Edi estava com uma febre que não passava de jeito nenhum desde quinta e eu o levei na sexta na emergência do Kinderspital de Zurique, o hospital de crianças da universidade de Zurique, o mesmo onde tive Edi, e olha, a gente foi atendido, foi pra uma sala com várias camas, ou seja, não tem privacidade, quartinho, luxo, nada disso (temos o plano básico). E ficamos lá quase 4 horas, a médica demorou pra chegar, examinou examinou, fez exame de urina e depois disse que deveria ser uma infecção mas que não conseguiram identificar onde é, que tome apenas o remédio contra febre que é o corpo dele lutando contra a febre, e deve ser um virus (virose) e voltamos pra casa sem saber o que ele tinha.

Ok crianças ficam doente, mas gente, eu fui lá atrás de descobrir porque meu filho tá com 40 graus de febre. O sistema é tão bom e maravilhoso, precisa de 4 horas de atendimento pra diagnosticar uma virose? Isso eu pago mais de 600 francos POR MÊS num plano de saúde BÁSICO pra mim e pra ele (incluindo dentista e um seguro de vida pra mim). E isso também não me livrou de ter problema no parto, de quase morrer, será que se o sistema fosse público eu teria então morrido porque o atendimento teria sido inferior?

Nunca saberemos. Cada um sabe de si e tem sua opinião, como disse no início, o assunto é polêmico. Eu experimentaria algo novo nesse caso, mas eu ne, os suíços são diferente, pelo menos a maioria, os alemães, no caso. Estão satisfeitos como está, pra que mudar. Economizar 400, 500 francos por mês, não não, melhor deixar como está.

Morar em país rico às vezes tem disso, você tem que seguir o ritmo, dançar conforme a música, e a música e o ritmo exigem muito muito jogo de cintura. Quem sabe nos próximos anos haja novamente uma votação nesse assunto, quem sabe eu até já vote, quem sabe.

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