A Suiça e a guerra eterna com os estrangeiros

Lá vou eu escrever sobre temas polêmicos novamente e provocar quem tá quieto. Mas ah... não seria eu se não viesse aqui no meu canto por minhas opiniões pra fora. O negócio é o seguinte. Ontem teve votação na Suiça. Não, pra político não, pra projeto de lei. É. Pra quem não sabe, aqui na Suiça qualquer lei só vira lei se aprovada pelo povo. Seja por propostas de partidos políticos ou por abaixos assinados de organizações que conseguem um número mínimo (alto, milhares) de assinaturas, tudo vira questões pra maioria decidir. Pode construir minaretes na Suiça? Estrangeiro se cometer crime pode continuar na Suiça? Todos esses e muitos outros foram temas de votações passadas que se tornaram bem polêmicas. E nesse domingo, tivemos mais uma.

Tivemos não, tiveram, porque o voto não é obrigatório, mas só vota quem é suiço. A bola da vez é sobre imigração em massa. Sim. Aquele partido que eu já comentei aqui antes tanto insistiu que agora conseguiu o que queria: impor um limite na vinda de estrangeiros da União Europeia para a Suiça. Ok, ok. Antes que me apedrejem os que concordam com um monte de coisa que eu concordo tambem, vamos deixar as coisas bem claras.
Esse partido SVP, é o partido do povo, que é mundialmente conhecido por ser extremamente xenófobo, já fez campanhas radicalmente racistas e é sempre causa de polêmcia aqui. É fato que alguns países da Europa estão em crise e a livre circulação de nacionais da UE às vezes contrubui para uma baguncinha básica na organização suiça, mas lei é lei, acordo é acordo. Os acordos de livre circulação são bilaterais, e do mesmo jeito que tem estrangeiro entrando, tem suiço saindo. Big news! Esse é o mundo de hoje gente! Gente saindo e entrando entre países, explorando outras culturas, vivendo uns anos aqui, outros ali.

Que a Suiça tem um histórico de ser fechada, tanto nas fronteiras como no emocional das pessoas, não é novidade pra ninguém. Mas é esperado que as sociedades evoluam e não fiquem paradas no mesmo lugar. Eu concordo em alguns casos... deixa eu reescrever... eu concordo que todo caso deve ser olhado individualmente. E em individualismo a Suiça é craque.

A Suiça tem pouco mais de 8 milhões de habitantes. Desses, 25% são estrangeiros. Como bem disse Diccon Bewes, que já falei aqui, autor de Swiss Watching, a Suiça sempre precisou de imigrantes, mas nunca os quis de verdade. A coisa mais difícil do mundo é achar um suiço puro aqui. Ora, um país onde se fala 4 idiomas por influência dos países vizinhos, queria o que? A coisa mais normal do mundo é uma mistura de italiano com alemão, suiço com francês e por aí vai. Nascem aqui, crescem aqui, e passam a ser daqui.

Se depender de suiços apenas, a população é velha, a taxa de natalidade é incrivelmente baixa e o nível de suicídio é alta, e surpreendentemente (not), a maioria é suiço, e não estrangeiro. Tem sim alguma coisa "errada" com o país. Ele é claramente dependente de gente vindo de outros lugares. A Suiça é carente de mão de obra, falta sim gente pra fazer todo tipo de trabalho, eu sou um exemplo vivo disso. A vaga que consegui tanto nas Nações Unidas, onde trabalhava antes, quanto no meu emprego atual que já estou há 3 anos, ficou aberta por vários meses e nenhum candidato da UE, muito menos suiço, que se encaixasse, apareceu no tempo que ficou aberta. Justificar que é preciso buscar uma brasileira láá do outro lado tropical do oceano e por aqui no meio da friaca, só muito bem justificado. E é aí que fica evidente que a Suiça é sim carente de mão de obra.

Não vejo um suiço fazendo serviços de limpeza, por exemplo. Limpando tram, limpando rua, o mercado, tirando lixo, só tem estrangeiro. Eu queria ver se todos os estrangeiros não fossem trabalhar amanhã, aí os suiços iam ver como eles são fundamentais.

A questão aqui é que existe abuso do sistema e a "mamata" é muito boa pra quem vem pra Suiça. Por exemplo... Vem um Português (to falando Portugues porque é a nacionalidade entre os estrangeiros com índice de desemprego mais alto na Suiça), arruma um emprego, ganha direto permissão de residência por 5 anos sem nem precisar renovar todo ano nem nada, trabalha aqui legal e tudo mais, traz a família, tudo maravilha. Aí depois de 2 anos, sai do emprego e começa a receber o seguro desemprego, 80% do seu salário pago pelo governo. E ele pode ficar até 2 anos assim, se for sempre acompanhado e provado que não há emprego pra ele naquele momento. Essa situação acontece muito entre estrangeiros que vêm pra cá e é aí que o SVP acha a brecha pra apelar aos suiços que teoricamente estão trabalhando enquanto os estrangeiros estão "ganhando dinheiro sem trabalhar", são os parasitas da sociedade.

Desde 2002, quando este acordo de livre circulação de europeus foi firmado, mais de 700 mil imigrantes vieram para a Suiça, sendo 60% da União Europeia. Ah, e só frisando, a Suiça não faz parte da UE. Não só aumentou o número de mão de obra estrangeira, mas consequentemente, o número de beneficiários da assistencia social do governo suiço. Mas direito é direito, acordos têm que ser cumpridos. Chorar agora e tomar medidas drásticas não vai ajudar. Alias medidas contra essa coisa de globalização, consequentemente troca de cultura e troca de mão de obra nunca teve muito sucesso por aqui.

A votação venceu por 50.3%, apertadíssima. Sendo que foi dividida por cantão e, sendo bem franco, fica visível onde estrangeiro é mais bem recebido e onde não. Veja o mapa:
Fonte: swissinfo.ch
Na Suiça francesa, a grande maioria votou NÃO, ou seja, contra a medida. Grande parte da Suiça alemã e toda a parte italiana votou SIM, com exceção (AINDA BEM!) de Zurich, que convenhamos, a maior cidade suiça não seria praticamente nada sem os estrangeiros. Só aí já entra uma série de fatores em debate: a Röstigraben, ou seja, a diferença de mentalidade entre o povo "francês" e o "alemão" da Suiça, o fato de onde a Suiça Alemã votou SIM (esse verde grande forte aí no meio do mapa acima, ou veja esse outro mapa) é a que menos tem estrangeiro e portanto, não sabe das reais consequencias que isso pode trazer pra Suiça. Enfim...

Sim, porque lembre-se, os acordos são bilaterais. Empresas alemãs, francesas e italianas se instalaram aqui exatamente por conta dessa abertura. Fechar as portas significa impor barreiras e limites e tudo isso traz consequências, aparentemente negativas, para a economia do país. De novo: a Suiça não se sustenta sem mão de obra estrangeira. Isso não sou eu quem to dizendo não, é fato.
fonte: TV Südbaden
O resultado do plebiscito de ontem deu muito o que falar na imprensa internacional. Muita reação de revolta, decepção, e outros mais acostumados dizendo não estarem surpresos. Há 2 anos atrás, a Suiça já definiu quotas para 8 países do leste europeu, por serem menos favorecidos economicamente, e só aí já gerou um monte de críticas.

Escrevi na minha página e na página do blog no Facebook depois do resultado da votação de ontem que a Suiça é o coração escuro da Europa. E que como os suiços iam ver o quanto precisam de estrangeiros se todos não fossem trabalhar amanhã. Caramba, como é difícil conversar sobre isso. Assumir que sim a Suiça tem ótimos salários e qualidade de vida, mas por outro lado essa politica exagerada do partido popular suiço gera esse sentimento que estrangeiro não é bem vindo.

A última coisa que está em discussão aqui é o que eu acho ou o que deixo de achar, mas sou a favor da organização suiça e entendo a necessidade de controlar a imigração, principalmente diante do cenário econômico europeu. E como bem disse alguém no Twitter ontem depois de tanto bafafá, a Suiça foi muito bem sucedida bem antes de chegar até aqui. É fato, mas não se pode ignorar outros lados da moeda, que no caso aqui a moeda é multidimensional. A Suiça é neutra? Pelo nome em Alemão SCHWEIZ (Suiça), parece mais a mistura de SCHWARZ com WEISS que é o PRETO e o BRANCO. Desde que cheguei aqui, pra mim sempre ficou muito clara as divisões e barreiras que são colocadas em tantos lugares. Regras, comportamento, relacionamento. Eu acho que a Suiça está longe de ser neutra.
Indicação para local de votação. Fonte: Tagblatt
Mas de novo, não é o que eu penso que está em questão aqui. São apenas pensamentos que deixo fluir. Enquanto o SVP acusa o governo de ter perdido o controle sobre as regras de imigração, eu acho graça, porque gente, quando a Suiça ia perder o controle de alguma coisa?

Além dessa bomba de ontem, também estava em votação uma outra polêmica, que era sobre os custos do aborto serem cobertos pelo plano de saúde básico. Uma organização conservadora conseguiu juntar milhares de assinaturas e virou pauta do plebiscito, pro povo decidir se sim ou se não. Atualmente sim, o plano de saúde básico cobre os custos do aborto. E pela votação de ontem, sim, o plano vai continuar cobrindo. Se não cobrisse mais, a pessoa que teria pagar por fora. Lembrando que na Suiça não há sistema de saúde público, é tudo privado. Então mesmo sendo lei o aborto ser legal e tudo mais, o governo não cobre seus custos não. Mas o plano cobre.
Cartão de votação. Na Suiça não tem urna eletrônica. Fonte: SVP
Não vou nem me estender muito nessa outra questão porque aí já acho que minha opinião vai se sobressair demais e aí ne, não é isso que está em questão. Pra voce ver como são as coisas ne. Eu que sempre fugi de discussões políticas no Brasil, me mudo pra Suiça e tenho que ficar ligada na política daqui, porque ok sou estrangeira, mas não sou da UE, ou seja, essa medida não me afeta diretamente, mas me afeta indiretamente. Qual é o estrangeiro que se sente bem vindo e seguro com uma situação dessas?

Marcadores: , , , , ,