O limbo

Agradeço a todo pelo feedback sobre o post passado. Em 2 horas o post tinha mais de 300 acessos. Recebi muitas mensagens de força e não desistência. Mas gente, eu não vou desistir não, a minha conduta é essa mesmo de falar só Português com Edi. Não tem do que desistir. É uma fase e estamos passando por ela, é assim mesmo, tá tudo certo, não estou em dificuldade. Mesmo assim agradeço muito pelas histórias compartilhadas, elas sempre ajudam.

Sabe que em breve vai fazer 6 anos que cheguei à Suíça. Nossa, quanta coisa aconteceu. Vim com um contrato de trabalho de 3 anos e não sabia nem se ia ficar tudo isso. Cá estou eu já com o dobro de tempo, em outro trabalho, com filho... Tempo para mais uma reflexão.

Esse não é mais um post chato de autoafirmação que se lê por aí. Quem me acompanha por aqui sabe que desde o início eu digo que a vida aqui não é o mar de rosas que se pensa. No meu caso, continuo dizendo que pra mim vale a pena continuar por aqui porque tem muita coisa da vida no Brasil que eu simplesmente não aguento e me deixam doente. Mesmo com o passar dos anos que as lentes vão mudando e a saudade vai apertando e você cada vez mais se distanciando do que a sua vida costumava ser quando você (eu) morava no Brasil.

Outro dia recebi uma mensagem de uma suíça que mora no Brasil (se você estiver lendo, obrigada pela mensagem, vou responde-la), que no final ela dizia assim: "...porque pelo que me parece, você ainda está muito mais inserida na cultura brasileira do que na suiça". Não entendi como uma crítica nem nada não, ela escreveu sobre o post de criar um filho bilíngue, mas aquilo ficou na minha cabeça.

Outro dia fui jantar na casa do meu chefe com meu time do trabalho, aí conversando com ele, chegamos ao assunto idiomas, Brasil, Suíça, etc. e ele dizendo que eu falo Alemão muito bem e tal, e chegou outro colega e disse "é, fala, mas nunca conseguirá falar Alemão Suíço sem sotaque". Nessas horas voce precisa de muito sangue frio experiência pra distinguir crítica de um simples comentário e não se ofender por bobagem. Ora o colega não sabe nada da minha vida, não sabe que eu comecei a estudar Alemão há anos e não conhece meu esforço diário pra me dar bem com esse idioma. Não entendi como uma crítica nem ofensa. A conversa continuou...

Para os suíços, eu nunca, jamais, never ever serei estarei inserida totalmente na cultura daqui. Isso não tem a ver se sou casada com alguém daqui ou não, se meus amigos são suíços ou não, se meu trabalho é com suíços ou não. Tem a ver com a minha história, o meu crescimento, as experiências que vivi enquanto crescia e passava pelas fases e transições da vida. Não aconteceu aqui. Aconteceu lá no Brasil. Então a conclusão que tiramos naquela conversa naquela noite do jantar e a minha conclusão é que: se você não cresceu aqui, pode passar 30 anos aqui que a cultura daqui sempre será a estrangeira para você.

Em pensar que quando completei o meu inocente primeiro ano de Suíça escrevi esse post toda cheia de experiência... mal sabia eu o que viria pela frente. E o legal de um blog é isso, ne, é ver que esse tipo de reflexão e sentimento já dava as caras mesmo no meu primeiro ano de expatriada. Sensacional.

Eu estou de acordo. Eu em 6 anos de Suíça ainda não concordo que uma criança não possa levar um chocolate um dia pra lanchar na escola aqui. Acho que posso passar mais 6 que vou continuar achando que não há nenhum problema nisso. Já as pessoas daqui não, acham certo, lanches da semana são frutas, verduras, coisas naturais. Doces só em festas e ocasiões especiais. Mas pra mim a discussão não pára aí. Porque não é assim existe a regra e pronto, vamos segui-la. Ora, por que? Isso tira a espontaneidade das coisas, por que gente a criança não pode lanchar um biscoito de chocolate numa terça-feira, o que que tem nisso? Mas antes de eu querer discutir com todo suíço que eu vir pela frente, vamos com calma.

É por coisas assim que vai-se mantendo a barreira que existe em Liana e cultura suíça, porque eu não aceito certas coisas (.... do mesmo jeito que também não aceito certas coisas no Brasil!). Por mais que eu saiba que posso bater de frente lá na frente em algumas situações e que em certas ocasiões é melhor só aceitar do que estar certa, eu ainda tento (muitas vezes em vão) em mostrar o outro lado e tentar encontrar um balanço, e aí me quebro toda ou me decepciono... acho que toda expatriada passa por algo parecido. Aquela frustração de que parece que só tem você pensando daquele jeito e você não pode mudar o mundo. Mas não vamos tão a fundo senão daqui a pouco eu to falando de novo do porque eu vim parar aqui. Eu só queria dar um exemplo.

Legal, ótimo. Aí vejamos o outro lado. Vou para o Brasil. Não entendo mais as novas piadas, as novas gírias, a música do momento. Falo Português óbvio mas com um certo delay ou usando umas expressões que já não são muito usadas, ou uma palavra ou outra em Alemão ou Inglês, achando algumas atitudes um pouco esquisitas ou exageradas... Virei a estrangeira. Por mais que assista uma coisa ou outra na Globo Internacional na minha vida aqui na Suíça e acompanhe as notícias e escute Português, e por mais que tente praticar meu Português nesses posts do blog, eu não sou mais a brasileira que eu era.


Tem muita coisa que vi no Rio da última vez que fui no Brasil que fiquei assustada ou com medo, e nem comentei aqui, acho que numa tentativa inconsciente de ignorar uma oportunidade para mais uma reflexão sobre o assunto. Olha jogar papel no chão pra mim é uma coisa tão inaceitável mais, que nem sei se tenho como explicar. Vi senhoras andando com seu cachorrinho e deixando o cocô no meio da rua, gente furando fila, vi um cara tomando picolé e jogando o papel no chão, coisas que antes eu talvez não desse tanta importância, mas que hoje eu nunca faria igual. 

Questão de educação, consciência... não to aqui pra discutir isso agora. Só sei que a Suíça me ensinou muita coisa também. Hoje eu sou mais calma, mais educada, falo mais baixo, sou mais paciente... sou mais correta do que já era, tento ser uma pessoa melhor, penso mais nas minhas atitudes. É, pode até ser que tenha ficado mais chata e boring como dizem que são os suíços, e concordo que perdi um pouco da minha espontaneidade brasileira. Entretanto os suíços me acham muito brasileira ainda.

Pros meus amigos e família, eu sou Liana que mora na Suíça. Depois de tanto tempo, não sou mais de lá, sou tratada diferente por algumas pessoas, como a "estranha" que voltou, mesmo que de férias... é como se eu não me sentisse mais em casa. Ora, a minha vida aqui teve um monte de coisa, a vida lá no Brasil também não parou. E eu estava aqui, não estava lá, ou seja, não acompanhei as coisas de lá, não sei de muita coisa, do mesmo jeito que o povo de lá também não sabe detalhes da minha vida aqui.

O limbo. É aí que estou. Não sou mais brasileira aos olhos dos brasileiros, mas também não sou suíça aos olhos dos suíços. Eu também não vim pra cá pra deixar de ser brasileira e nem pretendo virar suíça, mas é inevitável que aconteça esse distanciamento da minha cultura, quando passo muito tempo longe dela.

Por mais que eu me arrepie ao ouvir o hino nacional brasileiro, por mais que meu corpo queira sair dançando quando toca um axé e por mais que eu tente manter meu "oxe" que me deixa mais perto das minhas raízes, eu já entendo um bocado do Mundart da Suíça, expressões, casos no noticiário, piadas, mesmo que não consiga acompanhar 100% um filme alemão sem legendas.

O limbo. O meio termo, o nem lá nem cá. Limbo vem do latim e significa margem, beira, borda. Tem significados parecidos dependendo do contexto. Em sentido figurado, o limbo é onde são deixadas coisas em valor, coisas que são esquecidas. No catolicismo, o Limbo é onde estão por exemplos crianças que morreram sem terem sido batizadas, ou seja... seria o espaço entre o céu e o inferno? O nada? O meio.

Fazendo uma analogia do conceito da igreja católica com a situação do expatriado, o limbo é o espaço entre um país e outro, entre uma cultura e a outra, o meio-termo. É aí que eu me encontro. Quando estou no Brasil, não sou mais tão brasileira, sou a que mora na Suíça e com alguns costumes suíços, mas na Suíça, estou longe dos verdadeiros costumes suíços e sou brasileira mesmo.

Como é que esse sentimento é interpretado por nós, expatriados, e como lidamos com ele? Devemos simplesmente nos acostumar e aceitar que nunca serei realmente do país que moro há alguns anos, porque no fundo nem é isso que queremos mesmo... ou não, insistir e forçar uma coisa que no fundo não queremos?! Voltar para o país de origem é uma opção para sair do limbo? Voltar atrás? E para onde vão tantos anos de aprendizado e intercâmbio e a nova cultura absorvida será que não vai interferir na vida de volta ao Brasil?

Parece que há mais perguntas que respostas. E aí voce encontra histórias de vários brasileiros que viveram algum tempo fora, atravessaram essa transição, chegaram ao limbo, resolveram voltar e pow, vem a bomba: nunca mais conseguiram se acostumar ao Brasil. Ou saíram de novo do Brasil, ou estão tentando sair, ou vivem torturados pela decisão que tomaram... seria esse então o castigo, o preço eterno a ser pago para quem resolve levantar vôo e deixar seu país? Seria essa a maneira de o seu país que te mostrou tanta coisa a sua vida inteira fazer você ver o seu valor?

O limbo é um lugar de muitas perguntas, mas um lugar seletivo, não é todo mundo que consegue chegar por aqui. Tem que ter vocação. Quem chega definitivamente tem uma bagagem sem igual. Se o mundo fosse mesmo justo, poderíamos viver de trocar experiências ou de passar suas experiências pra frente, porque o valor dessa bagagem é inestimável. Porque não se compra, não se paga, quem a tem tem o mérito também de a ter construído, do seu jeito. E outra: é inigualável. É única a sua bagagem de vida, suas experiências de expatriado.

Você pode ignorar tudo isso que eu disse e viver numa pequena comunidade brasileira num país estrangeiro, e viver como se estivesse no Brasil, só que não está. Você não chegará ao limbo. Ou se resolver deixar tudo tudo tudo do Brasil pra trás e fechar os olhos pro que fez de você você e nunca mais voltar ao Brasil pra se inserir de vez no país onde está... acredite, não vai dar certo.

Esse post não foi para assustar ninguém nem como eu disse no começo, autoafirmar nada. Nem acho que venha a ser polêmico. Se encaixaria mais na categoria "abre olho" e "pé no chão" dessas reflexões meio doídas mas necessárias que fazemos (faço) de vez em quando, depois de fases completadas ou páginas viradas no livro da vida. Talvez para não cair em novos deslumbramentos e promessas bonitas da vida no primeiro mundo e nem deixar o coração esborrotar e ficar cego de saudade do que se vê em cartões postais tropicais.

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