Criando um filho bilingue: diferenciando os dois idiomas

Há 1 ano atrás, eu escrevi este post falando sobre a criação do Edi em Português e Alemão até então. Ele estava para fazer 2 anos, então eram as primeiras palavras saindo em ambos os idiomas, embora eu estivesse começando a perceber que ele falava mais Alemão do que Português. Foram muitos comentários, discussões, lá, na página do blog no Facebook, no Instagram (@elaeamericana_liana), em vários meios. Aliás a internet está cheia de mães que criam seus filhos longe do Brasil e relatam suas experiências rede afora.

Porque eu acho que não há uma fórmula, uma única maneira, pois são sempre famílias diferentes, combinações e variações diferentes, mãe brasileira, pai não sei de onde, um terceiro idioma até. No meu caso, eu sempre falei com o Edi apenas em Português, mesmo ele começando a responder algumas coisas em Alemão, e foi o resto do ano passado todo assim. Essas tentativas, insistências, de vez em quando eu postava uma foto com algum novo desenvolvimento. Eu sabia que ele entendia quase tudo que eu dizia. Nossa, como ele desenvolveu em um ano! Hoje o Edi está com 3 anos e fala bastante, tanto Português quanto em Alemão. Portanto achei que seria um bom momento para escrever mais dessa "série" "Criando um filho bilíngue", que até já criei uma tag por aqui no blog, porque sei que assunto não vai faltar.

A novidade é que, bem, não é novidade que eu continuo falando com ele em Português e hoje ele entende tudo, tudinho mesmo que eu digo, e responde também em Português, ora em Alemão. Porém, como fomos praticamente só nós dois em casa nesse ano que passou, eu não pude muito perceber a evolução no Alemão de perto, como pude no Português. O Edi hoje está com um vocabulário em Português tão extenso, repete tanta coisa de primeira e repete de novo não sei quantos dias depois, ou seja, ele guarda na memória. Porém, no Alemão, eu não pudia avaliar tanto.

O Edi vai 4 dias por semana para a creche onde passa o dia inteiro lá, enquanto eu trabalho. Lá só se fala Alemão ou Suíço Alemão (dialeto de Berna). Além disso ele vê o pai regularmente, com quem também só ouve Alemão. Na creche eles me dizem que ele entende, que fala, embora às vezes ainda jogue uma palavra ou outra em Português que eles lá não entendem obviamente. Só que eu não estou lá pra ver ne. Então não pude acompanhar de perto o que de fato evoluiu e comparar em detalhes o desenvolvimento nos dois idiomas.

Às vezes brincando com outras crianças ou se estou conversando com alguém em Alemão e ele está por perto, vejo ele se comunicando em Alemão, porém quando falava diretamente comigo, sempre Português. Até que chegou um belo dia quando o Edi ficou doente e ficou com o pai em casa (na minha casa), uns dois meses antes de completar 3 anos. Eu cheguei em casa mais cedo do trabalho e quando vi, estava o Edi pedindo "wasser" e não "água", dizendo que quer "schue anlegen" e não "calçar sapato", que quer "essen" e não "comer", que quer "spielen" e não brincar.... Choque. Até então o Edi já havia falado todas essas coisas comigo claro, mas tudo em Português - água, calçar o sapato, jantar. Naquele dia eu vi que o Edi sabia provavelmente muito mais Alemão do que eu tinha consciência.

Perto de fazer 3 anos e agora depois que já fez 3 anos, houve um pico de desenvolvimento. Parece que do nada ele começou a falar muito mais, perceber mais coisas e que realmente estava mais "crescido" que ontem. E com o bilinguismo também. Outro dia na creche eu estava conversando com um rapaz que também toma conta das crianças lá, daí o Edi me interrompeu e me pediu - em Português - se podia ir buscar o chapéu e o carrinho na gaveta dele. Eu olhei para o rapaz na minha frente e disse ao Edi: "Pergunte a ele, Edi". Edi então virou-se para o rapaz e repetiu a MESMÍSSIMA frase só que em Alemão, ou melhor, Suíço Alemão (Berndeutsch) perfeitamente!

Fiquei tipo.... boquiaberta.... O cara respondeu lá que sim, Edi buscou o chapéu e o carrinho na gaveta dele, pegou na minha mão e disse "Vamos, mamãe?". Eu me abaixei, dei um abraço e deixei escorrer uma lágrima. Não vou esquecer jamais essa cena que pro rapaz lá, deve ter achado que eu sou louca ou exagerada, mas ele ou talvez muitos não saibam o que aquele momento ali significou.

O meu pequeno Edi que há pouco tempo estava aqui aprendendo a falar água, mamãe, Juca, agora está aqui falando frases inteiras num dialeto que eu peno para entender todos os dias no meu trabalho. Expo-lo todo dia ao idioma deu nisso. Está decidido, eu vou é aprender Suíço-Alemão com meu filho! Hahahahaha.

Daí depois disso, em vários dias, semanas, tentei explicar pra ele que eu falo Português, e papi, o pessoal da creche, falei o nome dos coleguinhas dele... falam Deutsch (Alemão). Edi entendeu. E começou a entender também, ou pelo menos se dar conta, que ele próprio sabia os dois idiomas e que sabia por exemplo como é "caminhão" em Português, e em Deutsch. Como é "calçar sapato" em Português, e em Deutsch. Como é "andar de trem" em Português, e em Deutsch, e a lista de vocábulos e expressões só cresce.

Pronto. Desde então estamos nesse exercício, ou sei lá como chamar, contínuo, repetitivo, mas com diferentes palavras e expressões, onde ele mesmo me surpreende quando diz algo em Português comigo, e logo depois diz "...mas mamãe, em Deutsch é assim..." e diz em Alemão. Meu filho, você não sabe o orgulho que me dá quando você faz isso. Sabido da mamãe.

Para mim particularmente que aprendi Inglês e inventei de aprender Alemão depois e estou aprendendo até hoje praticamente, mas por minha conta, por minha vontade própria, eu tendo indo atrás de um curso e me matriculado lá. Ver hoje meu filho aprendendo dois idiomas ao mesmo tempo assim tão naturalmente é uma experiência encantadora e muito, muito, muito gratificante. Imaginar que morando aqui na Suíça, quando ele for pra escola ainda terá o Francês e mais tarde, Inglês... meu filho será um poliglota.

Depois de conhecer algumas pessoas aqui filhos de imigrantes e que me contaram suas experiências com segunda língua e o Alemão, tenho certeza que quero e que vou continuar falando em Português com meu filho. Por mais tentador que seja aprender Alemão com ele, vou ser forte e insistir no Português. Não tenho muito o que deixar para ele, mas essa será minha herança, a sua conexão com o Português, com o Brasil, e comigo. Não sei como vou fazer ainda com a alfabetização em Português, mas ainda tenho tempo para pensar.

Às vezes é sim estranho quando estamos só nós dois na rua e falo com ele em Português, ele responde em Alemão (ou até em Português mesmo), e as pessoas ficam encancarando, observando, acho que tentando decifrar qual idioma estamos falando. Procuro não ligar e sei que vou superar esse incômodo. Prefiro me passar eternamente por imigrante, o que sou mesmo, e manter o Edi falando um bom Português, do que forçar uma naturalidade que não existe, que é falar Alemão com meu filho, apenas porque.... sei lá porque, porque estamos na Suíça? Não.

Já ouvi relatos de pessoas que cresceram em casas com pais cada um de uma nacionalidade, e que eventualmente, perdeu-se o contato com a segunda língua (normalmente a da mãe), porque não houve insistência ou prática suficiente, e hoje depois de adulto, a tal segunda língua é tão esquecida que é a mesma coisa que nada. Me mudei para a Suíça de mala e cuia há 7 anos, amo morar aqui, mas não sei se é aqui que vou morar o resto da minha vida. E o Brasil apesar de todos os problemas é de onde eu vim, minha família está lá, e eu quero que meu filho conheça. E a melhor maneira de manter-se conectado à essa origem é não perder o Português. Quero que se continuarmos aqui, depois de grande o Edi ainda saiba Português.

Comigo e com minha família e amigos brasileiros, o Edi só fala Português. Ele vê que eu estou falando em Português e fala de acordo com o idioma que a pessoa está falando. Já sabe que vovó, tia e prima moram no Brasil e que lá se fala "potoguêx". Não vejo a hora de ir novamente para o Brasil para o Edi ouvir mais Português e o Português dele dar ainda mais um pico de avanço, pois aqui na Suíça, ele só aprende comigo mesmo.

Diferençar os dois idiomas, saber que um é Português, o outro é Deutsch, saber com quem falar um, com quem falar o outro, e começar tão cedo a switch de um pro outro, como se fosse um interruptor que automaticamente muda quando vira de um lado pro outro tão naturalmente é sem dúvida o maior marco no bilinguismo do Edi até aqui. Precisava escrever um post sobre isso. Precisava registrar isso. Te amo, filho.

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