Belgrado e Sarajevo

A cada vez que eu volto de uma viagem, digo que a cidade que visitei valeu a pena, que é fantástica, que é isso, é aquilo e aquilo outro. É natural. Também se fosse pra voltar de viagem e dizer que foi chato, tava ruim hein. Que eu amo viajar e conhecer novos lugares não é novidade. E graças a Deus estou encontrando meus meios para fazê-las acontecer. Mas desde que passei a escolher destinos menos explorados como Israel, Jordânia, leste europeu, etc. os adjetivos estão ficando pequenos diante de tanto conhecimento, de tanto aprendizado. Começa a abrir um novo horizonte, ou a expandi-lo, e eu começo a enxergar coisas que antes não via. Passo a entender um pouco mais do que se passou ali e acolá enquanto eu pulava elástico na frente de casa lá em Natal. Ora eu hoje como uma mera engenheira de software indo bater na Bósnia pra conhecer Sarajevo só pode ser mesmo um pouco esquisito. A comissária de bordo do vôo Belgrado-Sarajevo arregalou tanto o olho quando viu meu passaporte "BRASIL" que ficou gaga querendo dizer alguma coisa pra mim. Gaga fiquei eu depois quando vi o teco teco que ia nos levar até a capital da Bósnia. Eu não tenho medo de muitas coisas, mas o avião de 2 lugares em cada lado era tão pequeno e fazia tanto barulho, que eu agora estou quase certa que o cara que trabalha comigo tem razão quando disse que eu era um pouco weird, afinal não tem muita gente que se mete a fazer isso. O QUE DANADO EU TO FAZENDO AQUI - eu pensei quando vi que era a única que não estava falando sérvio-croata-bósneo ali naquele meio.
Ah, quem sou eu pra saber de mim. Me sinto minúscula quando piso num novo país, quando recebo um novo carimbo no passaporte, quando vejo um mundo totalmente novo. Iugoslávia? Claro, já ouvi falar sim. Fala aí um pouco o que voce sabe? Err... hummm... sei não. Claro, interessante deve ser. O 'leste europeu' é um termo conhecido, famoso, chique até deve ser... né? Mas na prática, o oriente da Europa é pouco visitado e as condições não são fáceis não. Como é que faz pra ir pra lá? Por onde começa? Vou como? Quem já foi que pode me dizer alguma coisa? Todas essas perguntas eu fiz quando comecei a cogitar a possibilidade de ir praquelas bandas. O que tem pra ver em Belgrado afinal? Vou fazer o que em Sarajevo, pelo amor de Deus?
Po, eu não tinha noção que a Bósnia tinha passado por tamanha guerra de 1992 a 1995, quando o país decidiu se tornar independente da Sérvia e Croácia (Iugoslávia) e os Bósneos-Sérvios e Bósneos-Croatas fizeram a maior confusão porque eram contra a separação. Guerra de verdade, Sarajevo ficou acabada, bomba no meio da rua, gente fugindo para países vizinhos. Fiquei imaginando se daqui a um tempo eu estarei na Líbia tirando foto do que restou, vendo de perto os rastros dessa guerra na busca pela apreensão de Kadafhi que vemos hoje na TV... Quem se importa se o seu time perdeu ou se o chat do Facebook está com problemas quando em alguma parte do mundo, há pessoas em conflitos, interesses sociais sendo definidos e tudo que vai impactar toda uma geração está acontecendo ali naquele momento? Eu não posso nem imaginar as consequências e os traumas que famílias de hoje venham a ter devido aos dias em Belgrado governados por Milosevic.
Embora hoje as coisas tenham se acalmado na região balcã, as marcas não são fáceis de apagar. Principalmente por ter acontecido tanta coisa tão recentemente, hoje é possível ter uma verdadeira aula de história ali ao vivo quando se caminha por Belgrado e Sarajevo. Os dados também não escondem a proximidade no tempo quando era tudo um grande conflito. Desde antes da Guerra da Bósnia em 91, que não há um censo no país, ou seja, a população é incerta. Só se sabe que muita gente morreu, mas daí números certos não se tem. Como será morar num país onde não se sabe quantas pessoas existem? Isso sem falar nos ciganos, refugiados e corrupção do governo que mais parece uma praga mundial, que atrapalham ainda mais o lento passo do desenvolvimento do lugar.
Sarajevo parece que parou no tempo. Tudo parece estar precisando urgentemente de uma restauração. Uma reforma pra ontem nesse prédio aqui pelo amor de Deus! E aquele ônibus caindo aos pedaços? A parte não tão legal de Budapeste é a parte legal de Sarajevo. A parte não tão legal de lá eu acho que não devo ter conhecido. Veja bem, eu ADOREI ter conhecido Sarajevo, e Belgrado também. Mas a característica de lá é essa marca recente, não tem pra onde correr. A cidade sofreu muito como palco de conflitos por tanto tempo, e não tem Plano Marshall para revitalizar as cores do lugar não. Mesmo com as cores um pouco apagadas e com quase tudo precisando ajeitar, Sarajevo transpira seu estilo de vida distinto. Sabur! Quer dizer 'vamos com calma!'. A verdade é que o centro antigo de Sarajevo é muito agradável, fácil e bom de andar. A população pode ter alto nível de desemprego, mas o povo é um povo simpático e acolhedor, bem mais que o sérvio, eu achei. Talvez a cultura do café bósneo seja contagiante e mais amigável.
Vai saber.
O leste europeu passou por muitas transformações e o comunismo não foi nenhuma colher de chá. As facilidades são reduzidas para não dizer inexistentes para quem vai fazer turismo por esses lados. Os padrões são menos óbvios e as informações são difíceis. Mas a história é viva, é rica e de uma enorme diversidade cultural e folclórica, tornando tudo mais interessante a ser descoberto numa experiência de viagem no mínimo curiosa. Sem dúvida inesquecível. As feridas precisam de tempo para serem curadas. Eu espero que as duas, Belgrado e Sarajevo, progridam e avancem no tempo, mas que não percam o charme desbotado que as diferenciam.

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