Os primeiros três meses

Depois de ficar sabendo que eu estava grávida, não foi nada simples voltar a rotina. Eu só pensava em como isso podia ter acontecido, e como eu ia lidar com tamanha mudança e responsabilidade na minha vida. Os primeiros dias foram bem complicados. Principalmente com a mudança pra Zurique, a entrega do apartamento em Berna, a arrumação no apartamento novo, dar conta do trabalho. Tudo acontecendo como eu tinha planejado, menos essa gravidez.

Eu passava o dia "distraída" e entretida com o trabalho, mas era só chegar em casa que vinha quinhentas mil perguntas sem respostas na minha cabeça, horas e horas de conversa com o Eric e com a minha mãe, e por mais que minha irmã e minha mãe dissessem que era uma nova vida, um milagre e coisa e tal, o que eu sentia estava longe de parecer um milagre.

Um dos primeiros sintomas foi a fome que aumentou muito, e eu que comia pouco na janta na minha eterna luta pra manter o peso, se fizesse só um lanchinho a noite, ia pra cama com a barriga roncando. Então comecei a me alimentar melhor no almoço e parei de comer porcarias e lanches prontos, coisa que eu fazia muito no dia a dia corrido do trabalho.

Passei a fazer almoços mais demorados, e mesmo os colegas continuando apressados lá pra dar conta de tudo e estar as 13h pra reunião, ou eu saía mais cedo, ou cozinhava em casa e almoçava no trabalho direito, mas a hora do almoço se tornou sagrada.

Tá bom que a comida aqui na Suiça é uma das minhas maiores preocupações desde sempre, porque ô lugarzinho difícil pra se comer bem. E caro. Um prato de cordon bleu com batata frita e legumes no restaurante do Migros não sai por menos  de 18 francos. 18 francos pra almoçar todos os dias, meu amigo, é dose. Mas era suficiente pra matar minha fome do almoço.

A noite, quando o Eric estava comigo em Zurich, preparava alguma coisa e ficávamos até pegar no sono conversando sobre o futuro e como ia ser com um bebê em nossas vidas. Ainda era verão, então passeios no lago Zurich ou uma volta no quarteirão com Juca. Isso quando eu aguentava ne. Porque, minha nossa, que sono é esse.... Agora que tô no 4o mês tá muuuito melhor, mas no começo, por vários dias, chegava do trabalho, dava uma volta com Juca, tomava banho e cama! Dormia tranquilamente por 12 horas seguidas e se dormisse menos, só faltava não parar de bocejar no trabalho.

Eric continuava morando em Berna, mas vinha aqui quase todo dia, passava a noite aqui, e num dos primeiros fins de semana depois da mudança, fomos no Ikea atrás de um guarda-roupa pra mim, e não teve como não parar na seção de berços e quartos de criança (que aliás, podia ser maior ne). Mas ainda estava cedo pra comprar alguma coisa, eu estava grávida de um mês e claro não tinha barriga nenhuma.

Depois começaram os enjôos e as sensibilidades extremas. Me lembro que estava no tram indo ou voltando do trabalho e estava lá sentada na minha, quando me entra uma mulher com um cheiro de perfume tão forte, mas tão forte, que eu não conseguia nem respirar mais. Me levantei e fui sentar em outro lugar. Passei a perceber que cheiro forte de café me enjoava, cheiro de cigarro, red bull, perfume e qualquer coisa muito forte era motivo pra eu sair de perto.

Claro, parei de beber de uma hora pra outra. Em outro fim de semana, uma amiga de Berna veio passar o domingo aqui em Zurique comigo, e em pleno verão, maior calorão, ela lá com uma tulipona de cerveja, e eu me senti encurralada, e tive que contar pra ela. Fui de tulipa de suco de laranja mesmo.

Mas as situações que tive que me esquivar do alcool em festinhas e happy hours do trabalho não foram fáceis também não. Eu não queria contar logo da gravidez, até porque todo mundo faz tanta pergunta, e eu mesma ainda digerindo tudo, não ia saber nem como reagir com a reação dos outros. Também não sei mentir direito, então até na internet eu procurei dicas de como arrumar uma desculpa pra não beber e estava pronta pra dizer que estava tomando antibiótico, quando numa sexta-feira chega meu chefe comemorando 5 anos de empresa e com uma taça de champagne pra mim. Fui lá, fingi que bebia, fingia que atendia o celular, ia na copa e jogava um pouco na pia. Estava tão nervosa que pra mim todo mundo tinha notado...

Também tinha acabado de me mudar pra Zurique e não tinha médico, não tinha nada. Liguei pro hospital da universidade de Zurich pra perguntar como é que se faz, como é o pre-natal, pra onde eu devo ir. E aqui não tem muita frescurada não. Primeira consulta só depois de 8 semanas. Não tem exame de sangue pra confirmar nada, não tem exame de sangue pra saber o sexo. Depois eu escrevo um post só sobre pré-natal aqui na Suiça, mas é tudo muito relax.

Eu nervosíssima pra essa primeira consulta na 8a semana. Fui sozinha numa quarta feira de manhã com o iphone e o google maps na mão atrás da Policlínica. Minha cabeça até então era só preocupação. Preencher formulário, pedir informação no plano de saúde, enfim. Uma burocracia que só aumentava meu nível de aflição. Mas é incrível ne. Juro a voces... foi só entrar na sala da ultrasom, e ver um centímetro de bebê com um coração batendo, que não contive as lágrimas. O coraçãozinho lá batendo tão rapidinho... foi suficiente pra me confortar, me dar uma esperança que as coisas de uma forma ou de outra iam dar certo, e que o mais importante é que tinha ali uma vida se formando dentro de mim. Entrei no consultório uma Liana preocupada, aflita, incomodada com a sensação de insegurança e situação desconhecida, e saí uma Liana confiante e determinada a encontrar uma saída.

Eu nunca fui de esmorecer. Já enfrentei tanta situação difícil na minha vida, que acredito mesmo é que Deus não põe nada na sua vida que voce não seja capaz de carregar. E voce também não sabe o quanto é forte, até que sua única alternativa é ter forças. Eu grávida aqui na Suiça não era algo que eu tinha na cabeça pros próximos meses e anos, mas agora era assim, bebe estava lá com o coração batendo na minha barriga, minha vida aqui na Suiça agora então vai ter que acomodar um bebe e as mudanças que ele(a) trará. E tipo assim, isso não é uma coisa ruim. Não planejado não quer dizer ruim, quer dizer que vc (eu) precisa tomar medidas mais rápidas pra encarar a nova situação numa boa. Porque já já um bebezinho vai estar aqui e eu quero dar o melhor pra ele(a).

Hoje que a notícia é de conhecimento de todos, muita gente me pergunta se eu vou casar com o Eric. Ora, casar com o Eric não estava nos meus planos, e nunca achei que gravidez fosse motivo pra casar ou segurar homem nenhum. Minha história com o Eric é longa e a gente graças a Deus se conhece o suficiente pra confiar um no outro e entender que a situação é extraordinária. Somos responsáveis e estamos lidando com isso. O nascimento do bebê é inevitável, mas casar não é consequência disso. Minha gravidez está longe de ser algum tipo de golpe, porque eu e Eric continuamos com a mesma relação de antes, seremos pais juntos, mas não precisamos por isso casar. Pelo menos por enquanto. Porque quem sabe do futuro ne. Mas não por causa do bebê. Quanto a isso está tudo muito claro. Tambem casar agora ia ser mais um baque na minha vida.

Enfim. Depois da 10a semana, que seria o que, o 2o mês, eu comecei a sentir as roupas um pouco mais apertadas e comecei a me olhar mais no espelho, observar minha barriga e tentar ver algum crescimento "suspeito". De frente eu achava tudo a mesma coisa, mas de lado, minha nossa, que saliência... comecei a achar que todo mundo que me via na rua e no trabalho já desconfiava, eu só usando roupinhas soltas, calças cada vez mais largas.

Uma "fuga" desse mergulho nos primeiros meses de gravidez! A viagem programada há vários meses da minha irmã estava pra chegar, e mesmo com minha mãe insistindo pra eu diminuir o ritmo, eu quis continuar com todo o plano de antes. Suiça. Paris e Bruxelas!
Foi muito legal ter a minha irmã num momento de tantas mudanças na minha vida. Eu não estava a mesma Liana disposta que driblou o caminho da Macedônia pra Albânia, mas era a primeira vez que minha irmã me visitava. E eu achei que podia enfrentar tudo que tínhamos planejado.

Fizemos todo o roteiro, fomos até no show da Madonna. Só o que não estava no roteiro era eu passando mal no hotel em Paris e vomitando pela primeira vez de madrugada no banheiro do hotel, ou a minha insuportável dor nas costas em Bruxelas, mas tudo bem. Eu não sei quando minha irmã vai vir me visitar de novo então eu aguentei sorrindo e não me arrependo de nada.

No terceiro mês, eu esperava ansiosa chegar logo no fim do primeiro trimestre pra dar uma diminuída nos enjôos e na minha chatice - sim, eu fiquei muito sem paciência e hormonalmente alterada no terceiro mês. Baixei várias aplicações de acompanhamento semana a semana da gravidez no iphone, e era é uma maravilha acompanhar o desenvolvimento do bebê. A formação das mãozinhas, e de todos os órgãos minúsculos, saber o que está se passando dentro de mim, mesmo que eu ainda não o(a) sinta.

Ir a cada mês na consulta com a médica lá na Policlínica também ajudou muito a cair a ficha, se bem que vez ou outra ainda tenho a impressão que ainda está caindo e vai demorar muito a cair essa ficha totalmente. Mas com o fim do primeiro trimestre, veio sim graças a Deus a diminuição dos enjôos e das chatices, comecei a contar a notícia pros amigos, começamos a ganhar os primeiros presentinhos e pude começar a curtir mais a gravidez além do círculo eu-Eric-minha família.

Eric contou lá a família dele logo que soubemos, e é claro que a reação inicial também foi de susto. Com a distância, retomar o contato com a família dele não é foi inicialmente muito fácil. E digamos que a família suiça não é como a brasileira, então tudo muito na formalidade, jantar marcado com antecedência e coisital. Mesmo assim, a família dele não é tão próxima pra ficarmos horas falando sobre o tema, como eu fico com minha família e amigos. Embora tenha sido bom poder compartilhar com eles e com meus amigos daqui a notícia, agora que estamos mais pé no chão, mais consciente da situação e menos aterrorizados. No bom sentido, claro.

Ao final do 3o mês, organizei um café da manhã brasileiro no escritório, fiz pão de queijo, convidei todos e lá no dia, agradeci a presença de todos e compartilhei a notícia. Mais caras de surpresas, e como esperado, muitas perguntas.

Ainda não tenho respostas para todas (aliás quem tem ne), mas agora já está muito melhor de lidar com isso. Minha barriga cresce a cada semana e eu confesso que to apaixonada por ela. Os enjôos pararam, pude sair com o Eric pra curtir um pouco sem nos preocuparmos tanto o tempo inteiro com isso. Fizemos passeios, nos encontramos com os irmãos dele, e tenho pra mim que tudo está acontecendo como deveria acontecer.

Nem lembro mais porque estava tão preocupada no começo. Claro, medidas são necessárias, é preciso pensar no futuro muito mais, e tomar iniciativas novas, mudar algumas coisas, mas nada que eu nós não possamos lidar. Aliás, quem é que sabe quando está pronto pra se tornar pais? Quando a gente fica grávida, escuta cada história de quem tentou tanto tempo engravidar e não conseguiu, quem passou por gravidez não planejada, é tanta história pelo mundo, que voce termina achando a sua muito da normal. Mesmo aqui na Suiça. Ou talvez, principalmente aqui na Suiça!

O melhor que eu faço é continuar aqui namorando minha barriga...

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