Mudando os conceitos

Vira e mexe eu escrevo um post aqui no blog refletindo a vida na Suiça, alguma coisa nova que eu passei a observar ou fazer, ou só relatos do dia a dia mesmo. Tem até uma categoria de posts "reflexões". Afinal depois de passar o primeiro ano, as novidades deixam de ser maravilhas, voce muda as lentes com as quais enxerga as coisas e vê coisas que antes não via. Como eu estou chegando perto de completar 3 anos de Suiça, continuo ajustando o foco das minhas lentes e comemorando novas descobertas.

Desta vez, é uma coisa meio geral, mas eu vou tentar dar exemplos pra justificar minha mudança de opinião. Olha, cá pra nós, é normal a gente mudar de opinião quando a gente amadurece, com o passar dos anos, quando voce se compara com voce mesmo há 10 anos atrás; no caso aqui, eu não achei que ia ser assim em menos de 3 anos depois.

Não é nada sério nem de outro mundo, mas com os costumes aqui voce acha que não, mas termina se integrando à nova realidade, mesmo de pouquinho em pouquinho. Veja o inverno, por exemplo. Este é o terceiro que estou passando nessa Suiça. Nos dois últimos, era o tempo inteiro tudo branco lá fora, um frio de doer os ossos, a temperatura máxima nessa época em Janeiro era 0 graus. Aí chega o inverno 2012 super camarada por aqui. Sim, tá frio, mas não é porque eu estou mais acostumada não, o frio não está de doer a espinha como nos anos anteriores. Os termômetros não mentem e que diga a neve que não chega até aqui, fica só pelos alpes lá em cima. Tivemos uma nevada de verdade, e depois disso, só muita chuva e umas neves fininhas que não duram um dia.

Nos dois últimos invernos, engordei fácil fácil. Não sei se é psicológico, mas eu não conseguia almoçar salada ou comer uma fruta quando estava nevando. Sei lá, meu estômago pedia algo quentinho e se eu não ingerisse as calorias que meu organismo pedia, me sentia fraca. E todo mundo comentava que era normal engordar no inverno, também era difícil resistir àquele monte de guloseimas no supermercado, pouco tempo de luz de sol por dia, então as pessoas ficavam mais em casa, comer era normal. Aí eu engordava sem muito peso na consciência. Em Abril quando começava a esquentar um pouco, era aquela luta pra deixar de comer tanto.

Nao sei se é porque é meu terceiro inverno, não sei se é porque não tem neve e não está tão frio como nos últimos anos, mas eu não estou engordando desta vez. Pelo contrário, estou comendo salada sempre que o almoço do trabalho não me apetece, o que é muito comum, e não fico morta de fome desejando chocolate a noite como nos anos anteriores. Mesmo quando estava branco lá fora, não sentia como se eu precisasse ficar em casa comendo e vendo televisão.

Acordar cedo no escuridão também sempre foi um problema. No inverno só amanhece lá pras 8 da manhã e era um parto pra levantar da cama. O despertador tocava umas 5 vezes até eu realmente levantar e sair tropeçando até o banheiro. Hoje? Nada disso. O despertador toca no máximo 2 vezes (que é o normal no verão também) e meu organismo já não fica me implorando pra continuar deitada porque ainda não tem sol lá fora. O quarto sim está todo escurão quando eu levanto de manhã, mas eu acendo o abajour perto de mim e pronto, tem que levantar tem que levantar. A escuridão lá fora não é mais desculpa, é como se meu cérebro não aceitasse mais essa desculpa. Levanto sem reclamar.

Ainda no contexto do inverno, da engordação, de não conseguir levantar quando está escuro e tudo mais, ainda tenho mais uma coisa: ficar em casa. Nos últimos invernos, era constante eu ficar em casa depois do trabalho. Os programas com os colegas eram sempre indoors. Muito fondue na casa do outro (mais engordação) e tudo muito calórico. Agora, desde o início de janeiro, estou indo a academia com uma amiga duas vezes por semana depois do trabalho, contra todo o meu histórico de opiniões sobre ficar em casa no inverno. Bem, assim que cheguei aqui, eu queria entrar numa academia e fazer disso uma rotina, como já foi uma vez na minha vida lá no Brasil. Mas os pacotes que tem disponíveis lá são de 6 meses ou 1 ano, e eu pensei que po, vou fazer academia no inverno?! Sair de casa na maior friaca pra ir malhar? Eu mesmo não! Vou querer é ficar em casa no quentinho. E assim foi. Fiz algumas poucas vezes, paguei individual lá e a academia não se tornou uma rotina. Aí inventei de ir de novo agora em janeiro e adivinha? Não encontrei mais todos esses poréms que tinha colocado como obstáculos no início. Acho ótimo poder me exercitar em pleno inverno. É indoors, a academia é quentinha, e não importa se tá frio e nevando lá fora.

A academia é lotaaaada, encontrei várias pessoas do meu trabalho lá, e eles me disseram: no verão tem muito menos gente, porque as pessoas saem pra fazer coisas mais ao ar livre, e não querem ficar enfurnadas numa academia. Mas no inverno é a única opção! Tá aí! Dei meu braço a torcer. Nunca pensei que fosse possível pensar assim. Pra mim antes, inverno era sinônimo de preguiça, de ficar em casa de baixo do edredon comendo bobagem. Hoje penso diferente. Inverno vamos pra academia malhar as bobagens que eventualmente como, não mais com tanta frequencia. Meu corpo agradece.

Este inverno definitivamente me ensinou várias lições. Só agora estou percebendo de fato que mudei vários conceitos meus. Mas não só coisas sobre inverno e frio, também posso citar uma série de coisas aleatórias que hoje fazem parte do meu dia a dia e eu também tive que dar o braço a torcer.

Por exemplo, a história da reciclagem. Escrevi este post aqui há 1 ano atrás falando como separar lixo, os diferentes sacos, etc. Hoje pra mim é tão natural não por alumínio no lixo embaixo da pia. Ter a sacola de garrafas de vidro e PET na cozinha, separar o jornal e papelões. Não consigo mais terminar uma caixa de leite e joga-la no lixo. Eu dobro e junto com os jornais. Até quando estava no Brasil no final do ano passado, bateu meio que uma culpa quando inconscientemente fui fazer o mesmo e não tinha como fazer, e terminei jogando tudo no mesmo lixo.

Andar com Juca sem saquinho do cocô não rola há muito tempo. Juca vai fazer 9 anos e eu não sei como um dia, quando ele devia ter seus 2, 3 anos, eu andava com ele lá em Recife sem apanhar o cocô. Sério, eu deixava no meio da rua?? Como pode tamanha falta de responsabilidade? Será que eu não me sentia culpada? Horrível.

Além disso, a responsabilidade de prover ar fresco pro bichinho. Ele já fica tanto tempo no apartamento, que em chances que tenho, o levo para uma caminhada no parque, o solto na grama pra ele correr bastante. Antes eu não pensava assim.

Não sei se é porque no Brasil as pessoas tendem a ser românticas demais, mas há muito muito tempo atrás, quando vim a Europa pela primeira vez com meu ex namorado, tinha na minha cabeça que a Europa era lugar de casais. Vários casais de tudo quanto é idade no Brasil só vinha a Europa juntos. Então acho que coloquei isso na minha cabeça. Quando enfiei a ideia de vir trabalhar aqui sozinha, estava sim indo contra essa ideia, mas ainda assim pensava da mesma forma. Mas... putz, Europa ser sinal de romantismo e casais? Fala sério! Não precisa de muito tempo morando aqui pra perceber que os europeus casam muito mais tarde que no Brasil, são muito mais frios, sozinhos, moram sozinhos e fazer coisas sozinhos, muito mais do que pensei. Não acho que seja questão de solidão, porque existem muitos programas, os cafes são lotados de gente, e não preciso ir pra balada todo fim de semana pra sentir que tenho amigos do peito.

Aqui eu me sinto muito menos bicho do mato morando só do que no Brasil. Conheço várias pessoas na mesma situação que eu e nada melhor que encontrar sua turma bicho parecido pra nos sentirmos bem na mesma selva.

E isso já implica na próxima mudança de conceito que é a das viagens. Viajar pela Europa só com o namorado! Onde já se viu isso? Por que? Depois o namoro acaba e voce fica ai sem saber o que fazer com as fotos que tiraram juntos. Acho que são coisas independentes. Se tá afim de viajar, não importa, viaje. Não acho justo deixar de satisfazer um desejo, realizar um sonho de conhecer alguma coisa porque não tem namorado ou uma companhia qualquer pra ir com voce. Pensando assim realizei ano passado meu sonho de conhecer Israel e Petra, e olha, como foi bom. Sem falsa modestia, curti do início ao fim, desde o momento de que criei coragem de viajar só pela primeira vez, e logo pra um lugar tão diferente, preparar toda a viagem, programar dia a dia, nossa, curti demais. To aqui ainda cogitando qual será a extravagância desse ano. Extravagância no bom sentido, tá.

Lendo o post da Glenda sobre porque é tão difícil querer voltar a morar no Brasil, (post maravilhoso alias, se voce ainda nao leu, leia!), me pergunto se eu precisei vir até aqui pra aprender essas coisas, mudar meus conceitos, aprender tanta coisa... É, não sei até quando minha vida vai ter esse cenário suiço, ou cenário mundial, mas enquanto isso, eu vou escrevendo aqui meus achados, minha mudança de opinião, meus conceitos, porque, Deus do céu, há de servir pra alguma coisa.

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